domingo, 28 de agosto de 2011

A era da inocência e das trevas

Meu primeiro contato com o filme mais recente de Denys Arcand, L’Âge des Tenébrès, se deu através de uma resenha onde questionavam a alteração de seu título no Brasil para o inadequado A Era da Inocência. Como as trevas referenciadas originalmente poderiam ser apaziguadas pela inocência da distribuidora brasileira, que permitiu tamanha mudança? Não é novidade que filmes e livros são rebatizados fora de seu país de origem e temos aqui outro grande e curioso exemplo, mas deixemos de lado este pequeno detalhe por enquanto.

O diretor da duologia O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras retoma o tema principal de sua filmografia em A Era da Inocência, aqui centrando seus questionamentos e apontamentos muito perspicazes em único personagem e seu universo particular, novamente através de uma abordagem que, para os realistas, não tem nada de pessimista. Jean Marc, servidor público canadense de classe média, muito facilmente poderia ser o nosso João Marcos, o John Marc estadunidense ou o ジャンマルク do Japão. A genialidade de Arcand está nos contornos singulares com que ele aborda questões tão recorrentes e muitas vezes banais da vida moderna, geralmente negligenciadas pela alienação da sociedade contemporânea.

Personagens como Jean Marc são os mais queridos por cineastas que desenvolveram um subgênero dentro do drama, em filmes que dão conta da mediocridade cotidiana das classes que vivem em subúrbios, focadas em propósitos nada construtivos. Sam Mendes, Todd Field Marc Forster e Todd Solondz, que para mim é um dos mais competentes na área, já desenvolveram grandes e inquietantes histórias com núcleos semelhantes, assim como Denys Arcand, cada qual imprimindo um olhar particular para esta riquíssima fonte de argumentos. Enquanto outros cineastas imaginativos anunciam o fim da humanidade através de catástrofes naturais, invasões alienígenas ou robôs gigantes vingativos (!), Arcand é um dos poucos criativos que aponta suas câmeras para o verdadeiro mal de nossa época: nós mesmos e as nossas escolhas.

Recuso-me a dissecar maiores nuances da trama, personagens e narrativa de A Era da Inocência, uma vez que os vários grandes momentos do filme serão melhor apreciados sem referências prévias. Vale frisar que Arcand é um diretor que prima pelo roteiro, diálogos inteligentes, muitas nuances e simbolismos. Ainda que não deixe de lado a forma e a técnica, seu filme tem o grande trunfo em outros quesitos, como os aqui já apontados. Não menos importante e digna de elogios, a atuação de Marc Labrèche é brilhante, pontual e também responsável pelo filme ser um grande acerto – já que seu personagem é o centro de toda a obra.

Retomando o detalhe que mencionei inicialmente, confesso-me contra quaisquer alterações de títulos de filmes que não sejam apenas sua tradução, principalmente as que são movidas por intuito comercial. Independente do motivo que transformou A Era das Trevas em A Era da Inocência, admito a validez e sagacidade do novo título – de significado possivelmente acidental. Ela referencia todos nós, inocentes, que mesmo explicitamente avisados dos males que nos cercam e que causamos, escolhemos viver nas trevas.

3 comentários:

  1. Muito bom Kon.
    Gosto bastante dos filmes de Denys Arcand, até de alguns mais radicais como "Amores e Restos Humanos".

    Concordo contigo, seu olhar perspicaz a respeito desta "mediocridade cotidiana das classes que vivem em subúrbios", é um dos fortes de suas encenações, assim como o foco na desgraça oriunda do que muitas vezes nos impingimos.

    Desde já estou muito curioso para ver "A Era da Inocência".

    Abraços

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  2. Legal seu texto Conrado.Quase ninguém cita Denys Arcand. Eu acho ele espetacular.1o por sua versatilidade, 2o justamente pelo que vc disse: por esse olhar singular e especial que ele dá ao sujeito e suas relações e 3o por ser genialmente competente dirigindo os atores!
    Marcelo mencionou "Amor e restos humanos"..esse é um dos meus filmes prediletos.Com certeza estaria no meu top 10!
    "A era da inocência" eu tive o prazer de assistir no festival. Adorei! O personagem principal é mto interessante e muito bem construído. Diferente dos outros..senti que neste filme, D. Arcand nos "poupa" de tanta visceralidade mostrada em seus outros filmes em troca de uma sutileza com pitadas de humor.Além de lindos cenários e ambientações.

    beijos

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  3. Olá, Kon!
    Ah, sim, você comentou comigo sobre este filme. Sei que tornou-se corriqueiro, mas efetuarei nota mental para apreciar tal obra assim que se fizer possível.

    Abraçosssss

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