sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A sina do Guerreiro


Caim e Abel digladiam no octógno do MMA, o combinado de artes marciais que virou epidemia entre os amantes de lutas. A aproximação com os personagens bíblicos é óbvia e não-original (quem escreveu nestes termos foi o crítico Peter Travers, da Rolling Stone), mas parece-me resumir bem o visto em Guerreiro, mais novo filme do diretor Gavin O’Connor. Seguindo a boa tradição cinematográfica de obras que utilizam o esporte como metáfora (vitórias, derrotas, reviravoltas, etc.), ele se vale do violento mundo das artes marciais mistas como fundo de uma história familiar repleta de encontros, ânsias de perdão, mágoas e tentativas de recomeço. Creio que atenderá tanto à fatia do público que vai buscar na sessão o saciar de sua mais nova febre esportiva, quanto aos amantes do bom cinema. Mas falará principalmente ao segundo grupo.

Tom Hardy interpreta Tommy, um homem que volta do limbo para jogar na cara do pai (Nick Nolte num trabalho soberbo) o quanto seu alcoolismo de outrora contribuiu para a ruína familiar. Encontra o velho homem que busca no arrependimento, e nos quase mil dias sem beber, a paz que sozinho não consegue alcançar. Seu irmão Brendan, incorporado com semelhante competência por Joel Edgerton, persegue a saída do aperto financeiro que promete, em breve, tirar o teto de sua mulher e filhas. Ele é professor de física, enquanto Tommy é desertor (e herói) do corpo dos fuzileiros navais dos EUA, a menina dos olhos do exército americano. Irmãos feridos pela mágoa que guardam mutuamente, ambos carentes do pai que odeiam por força do passado que não se apaga. Por vias tortuosas e distintas, os dois acabam inscritos no maior espetáculo já visto no esporte, onde 16 homens travam batalhas solitárias pelo polpudo prêmio de 5 milhões de dólares.

Mais que filme de MMA, Guerreiro é essencialmente sobre família. Investe assertivamente, sem sentimentalismos baratos ou soluções fáceis, na complexa dinâmica íntima que o sustenta. Deve-se ressaltar, ainda, a maneira como Gavin O’Connor combina os embates e a construção dos personagens, edificando figuras dotadas de camadas que não são consideradas convencionalmente em filmes de apelo mais físico, onde os duelos assumem protagonismo perigoso e, não raro, redutor. No catártico encerramento, a certeza de que a frenética sina de perdedores e vencedores, mais do que basilar no competitivo ambiente das lutas, infelizmente o é no cotidiano. Guerreiro fala bravamente de superação, pecado, perdão e força de vontade, sem que para isto precise soar piegas ou entregar personagens às redenções forçadas e ao artificialismo de conexões quebradiças que se consertam como num passe de mágica. Agradabilíssima surpresa, sem dúvida.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Quando voltar a ser assistir mais assiduamente, coloco esse em minha fila.

    Abraçossss

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  2. Belíssimo filme mesmo que, de fato, atende a essas duas fatias de público. Eu, como amante de cinema e cada vez mais interessado em MMA, fiquei super satisfeito. Principalmente com a força dramática da história contada, e com o retorno à boa forma do grande Nick Nolte. Pena que não vai dar pra ele no Oscar...

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  3. Olá, Celo!

    Saí do filme com menor entusiasmo que você. Ainda que tenha me impactado com a narrativa e o belo trabalho dos protagonistas, todas as soluções para a trama proposta me pareceram muito fáceis e óbvias. Ainda assim, não posso negar a força que o esporte confere às boas cenas de combate e a impossibilidade em não vibrar com cada duelo.

    Quanto às semelhanças com a história de Caim e Abel, fiquei mais apegado à parábola do filho pródigo, que serviu de base para o excepcional "Lavoura Arcaica" e me pareceu ter reflexos neste "Guerreiro".

    Abraços, Celo!
    Conrado

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