Baseado no famoso livro de Nick
Hornby, ALTA FIDELIDADE é um filmaço dirigido pelo britânico Stephen Frears. O
protagonista está em crise afetiva e busca na retrospectiva dos seus cinco
abandonos mais dolorosos alguma explicação para o desastroso campo afetivo.
Aliás, o homem é obsessivo por listas, vive ranqueando coisas, estabelecendo
uma ordem bastante própria como que para ordenar a si mesmo. Interpretando-o,
John Cusack faz seu melhor papel no cinema (até onde lembro), o desse sujeito
simpático que fala com a plateia sem necessariamente barganhar sua empatia,
afinal, é tão falível como todos podem ser. E a trilha sonora? Clássicos atrás
de clássicos que tornam ainda mais rica a experiência proporcionada.
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TERAPIA DE RISCO prova que Steven
Soderbergh deve mesmo aposentar-se precocemente do cinema, ou mesmo retirar-se
para período sabático. O filme começa muito bem, levantando questões de ética
distorcida sobre grandes empresas farmacêuticas e o consumo desenfreado de
barbitúricos por uma sociedade cada vez dependente de “pílulas da felicidade”.
Pois bem, aí o roteiro resolve adquirir contornos conspiratórios, de thriller,
e Soderbergh não consegue segurar a peteca, deixando tudo descambar para
revelações sofríveis sem o mínimo traquejo narrativo. O que é pior no filme,
Catherina Zeta-Jones, a fotografia preguiçosa ou a ausência deliberada do
cineasta que já, inclusive, ganhou uma Palma de Ouro em Cannes? Você escolhe.
São muitos os méritos de DENTRO DA
CASA, o mais recente filme de François Ozon. Primeiro, ele se vale exemplarmente
da metaficção, como há muito não se via no cinema (claro, conforme minha
lembrança). O aluno que escreve sobre desventuras na casa de um colega, com
isso enredando seu professor de literatura, é uma espécie de anjo de Teorema (filme de Pasolini), alguém
surgido para desestabilizar a família burguesa. Aliás, Pasolini está tão “presente”
que até é nominado lá pelas tantas. Fora a trama, interessante por si, DENTRO DA
CASA apresenta uma preocupação formal para além do esteticismo exibicionista,
filiada à compreensão ampla dos signos trabalhados e das sensações despertas.
Forma e conteúdo, como gêmeas siamesas. Isso se vê pouco por aí, bem pouco.
Grande filme.
Uma das grandes qualidades do
mexicano DEPOIS DE LÚCIA é a forma como engenhosamente escamoteia o
protagonismo de Roberto, recém-viúvo e pai de Alejandra. A filha - com muito
mais tempo de tela - vira alvo de humilhações no seio escolar após a divulgação
de um vídeo íntimo. As atrocidades evidenciam a crueldade dos colegas (homens e
mulheres), “autorizados” por seus próprios preconceitos a depositarem em alguém
uma fúria hipócrita. O diretor Michel Franco pesa a mão, tanto na exposição do bullying quanto no retrato dos
adolescentes algozes. Mas tudo que ocorre com Alejandra prepara a forte
sequência final (complementar à inicial), na qual o pai, afetado pela
reiteração violenta do sentimento de perda, age por instinto e sem qualquer
trava. Uma paulada que “revela” a verdadeira figura central e nos faz esquecer
um que outro exagero de carpintaria.
Como qualquer filme construído de
fragmentos, MUNDO INVISÍVEL é irregular, mas ainda assim um ótimo programa. A
qualidade de certos segmentos compensa, e muito, as fraquezas de outros. Meus
favoritos são os de Theo Angelopoulos (sobre um pregador evangélico bradando à
multidão), o de Laís Bodansky (foco na invisibilidade do ator, de monges,
enfim, do humano), o de Manoel de Oliveira (situação anedótica que evidencia
sérios problemas de comunicação) e o de Win Wender (documentário curto a
respeito de crianças com problemas sérios de visão). Alguns são quase dispensáveis,
prolixos ou econômicos em demasia, mas no geral MUNDO INVISÍVEL é um
interessante painel internacional sobre a “dificuldade de enxergar”, mal
contemporâneo tão danoso como as mais perigosas moléstias físicas.
Adoro esta seção do blog. Muito, muito boa.
ResponderExcluirGrande abraço.