terça-feira, 18 de junho de 2013

Doses Homeopáticas #04


Baseado no famoso livro de Nick Hornby, ALTA FIDELIDADE é um filmaço dirigido pelo britânico Stephen Frears. O protagonista está em crise afetiva e busca na retrospectiva dos seus cinco abandonos mais dolorosos alguma explicação para o desastroso campo afetivo. Aliás, o homem é obsessivo por listas, vive ranqueando coisas, estabelecendo uma ordem bastante própria como que para ordenar a si mesmo. Interpretando-o, John Cusack faz seu melhor papel no cinema (até onde lembro), o desse sujeito simpático que fala com a plateia sem necessariamente barganhar sua empatia, afinal, é tão falível como todos podem ser. E a trilha sonora? Clássicos atrás de clássicos que tornam ainda mais rica a experiência proporcionada.
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TERAPIA DE RISCO prova que Steven Soderbergh deve mesmo aposentar-se precocemente do cinema, ou mesmo retirar-se para período sabático. O filme começa muito bem, levantando questões de ética distorcida sobre grandes empresas farmacêuticas e o consumo desenfreado de barbitúricos por uma sociedade cada vez dependente de “pílulas da felicidade”. Pois bem, aí o roteiro resolve adquirir contornos conspiratórios, de thriller, e Soderbergh não consegue segurar a peteca, deixando tudo descambar para revelações sofríveis sem o mínimo traquejo narrativo. O que é pior no filme, Catherina Zeta-Jones, a fotografia preguiçosa ou a ausência deliberada do cineasta que já, inclusive, ganhou uma Palma de Ouro em Cannes? Você escolhe.


São muitos os méritos de DENTRO DA CASA, o mais recente filme de François Ozon. Primeiro, ele se vale exemplarmente da metaficção, como há muito não se via no cinema (claro, conforme minha lembrança). O aluno que escreve sobre desventuras na casa de um colega, com isso enredando seu professor de literatura, é uma espécie de anjo de Teorema (filme de Pasolini), alguém surgido para desestabilizar a família burguesa. Aliás, Pasolini está tão “presente” que até é nominado lá pelas tantas. Fora a trama, interessante por si, DENTRO DA CASA apresenta uma preocupação formal para além do esteticismo exibicionista, filiada à compreensão ampla dos signos trabalhados e das sensações despertas. Forma e conteúdo, como gêmeas siamesas. Isso se vê pouco por aí, bem pouco. Grande filme.


Uma das grandes qualidades do mexicano DEPOIS DE LÚCIA é a forma como engenhosamente escamoteia o protagonismo de Roberto, recém-viúvo e pai de Alejandra. A filha - com muito mais tempo de tela - vira alvo de humilhações no seio escolar após a divulgação de um vídeo íntimo. As atrocidades evidenciam a crueldade dos colegas (homens e mulheres), “autorizados” por seus próprios preconceitos a depositarem em alguém uma fúria hipócrita. O diretor Michel Franco pesa a mão, tanto na exposição do bullying quanto no retrato dos adolescentes algozes. Mas tudo que ocorre com Alejandra prepara a forte sequência final (complementar à inicial), na qual o pai, afetado pela reiteração violenta do sentimento de perda, age por instinto e sem qualquer trava. Uma paulada que “revela” a verdadeira figura central e nos faz esquecer um que outro exagero de carpintaria.


Como qualquer filme construído de fragmentos, MUNDO INVISÍVEL é irregular, mas ainda assim um ótimo programa. A qualidade de certos segmentos compensa, e muito, as fraquezas de outros. Meus favoritos são os de Theo Angelopoulos (sobre um pregador evangélico bradando à multidão), o de Laís Bodansky (foco na invisibilidade do ator, de monges, enfim, do humano), o de Manoel de Oliveira (situação anedótica que evidencia sérios problemas de comunicação) e o de Win Wender (documentário curto a respeito de crianças com problemas sérios de visão). Alguns são quase dispensáveis, prolixos ou econômicos em demasia, mas no geral MUNDO INVISÍVEL é um interessante painel internacional sobre a “dificuldade de enxergar”, mal contemporâneo tão danoso como as mais perigosas moléstias físicas.

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