quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reality - A Grande Ilusão


O Big Brother, pai dos chamados reality shows, é fenômeno contemporâneo.  Homens e mulheres confinados durantes meses em busca de dinheiro e fama efêmera. Os números maiúsculos de audiência ao redor do mundo respaldam novas temporadas desse entretenimento feito de observar a vida alheia no que ela tem de mais ordinário. Reality – A Grande Ilusão, dirigido pelo italiano Matteo Garrone (responsável também por Gomorra), é, até onde lembro, o filme mais assertivo (também o mais direto) sobre tal show. O cineasta utiliza sua câmera para desferir observações ferinas numa trama agridoce, sem aquele traço professoral próprio de artistas menos hábeis quando ávidos a transmitir mensagens.

Na história, o peixeiro Luciano vive rodeado de sua família num típico cortiço napolitano, alternando lida diária e alguns trambiques para equilibrar as contas. Estamos antes de outra edição do Big Brother e, instado pelas filhas, ele faz o teste. A surpresa do convite à segunda bateria de conversas em Roma é suficiente para esse interiorano desenvolver obsessão patológica. Luciano engendra toda comunidade em sua certeza movediça, e quanto mais entra na paranoia de ser monitorado por funcionários da televisão, assim embaralhando ficção e realidade, mais convida a ler nas entrelinhas da expressão “dar uma espiadinha” algo cruel sobre nossa configuração enquanto sociedade.

A inocuidade das “celebridades instantâneas” se deixa perceber na figura de Enzo, participante anterior do programa, espécie de herói local. Basta sua presença em festas ou nas casas noturnas mais bizarras (situações que deflagram o patético) para causar histeria/euforia. É bom frisar, não apenas a chamada “Classe C” reverencia esse tipo de “notável”. Reality – A Grande Ilusão parte de um suntuoso enlace com direito a carruagem e cenários faraônicos, onde a “Classe A” também se curva ante o ídolo sem importância real. Ricos e pobres, indiscriminadamente contaminados por cultura de massa/massificadora.

Reality – A Grande Ilusão é comédia de tons melancólicos. Rimos com e de personagens alusivos à tradição do cinema italiano. Muitas vezes tais sorrisos fáceis são interrompidos por pontiagudas e sutis observações, sejam elas orais, surgidas na justaposição dos planos ou num movimento de câmera. Como síntese pontual, cito a cena em que Garrone desloca nossa visão dos postulantes ao Big Brother para a fachada da Cinecittá, mítico estúdio de cinema, hoje arrendado em grande parte a produções televisivas. É um pesar expresso de maneira visual que pode aproximar-se ideologicamente da sequência final, na qual não sabemos estar diante de façanha irresponsável ou alucinação. E importa? Se passar na TV é verdade, pelo menos é assim aos olhos da maioria.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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