quarta-feira, 23 de abril de 2014

Muito Barulho por Nada


Após dirigir Os Vingadores, Joss Whedon resolveu afastar-se momentaneamente das grandes produções para filmar, em apenas 12 dias, na sua própria casa, com equipe reduzida, a versão que tinha em mente para o clássico Muito Barulho por Nada, de William Shakespeare.  Sintomático, pois depois de ver-se diluído em meio a tantos produtores e palpiteiros influentes de plantão, no que veio a se tornar sucesso comercial sobre a reunião dos heróis do universo Marvel, o diretor provavelmente precisou tomar as rédeas de um projeto do qual conceberia todas as etapas, livre de gente o controlando com precisão matemática.

A história de Muito Barulho por Nada é mais que conhecida, envolve intrigas palacianas, dificuldades familiares, amores avassaladores, ou seja, elementos muito característicos do bardo. Ao chegar à casa de Leonato (governador de Messina), o jovem Cláudio, fidalgo e acompanhante de Dom Pedro (príncipe de Aragão), se apaixona por Hero, filha do anfitrião. Feita a corte, casamento marcado, e todos partem para juntar também Benedito e Beatriz, dois celibatários cuja convicção não resiste à conspiração dos demais. Mas eis que Dom João, irmão bastardo de Pedro, arma para difamar Hero e jogar Cláudio numa espiral de vingança. Mesmo com tragédias iminentes, o tom é cômico, principalmente no que concerne a aproximação entre Benedito e Beatriz, ambos às turras em favor do orgulho pessoal, cegos quanto às possibilidades do amor.

Não à toa, próximo de algo mais autoral, Muito Barulho por Nada remete, de alguma maneira, às raízes televisivas de Whedon. Para além da linguagem de Shakespeare, que, empostada literalmente, confere refinamento à trama, está estética pretensamente indie, esta contradita, sobretudo e justamente, pela encenação e decupagem mais características à televisão. Apenas a cena do velório, na qual os personagens descem uma passagem empunhando velas, parece carregar força cinematográfica “genuína” (espero a expressão não soar, nos nossos tempos fronteiriços, por demais ingênua).

Muito Barulho por Nada é, portanto, filme estranho à tela grande, quem sabe melhor aclimatado se na programação de alguma emissora a cabo. Pode ser preconceito ou excesso de zelo, mas contentar-se com o hibridismo incômodo proposto por Whedon, significa dar fé às tendências que afastam o cinema de suas particularidades. Feitas as ressalvas, o longa explora a veia cômica presente no texto original, trabalha bem questões de honra/vilania, e tem lá seus méritos por justapor falas de rebuscamento arcaico e ambientação atual. O Muito Barulho por Nada de Whedon reflete os padrões atuais de qualidade do entretenimento, mesmo gestado longe da indústria propriamente dita. Fora isso, nada demais.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

Um comentário:

  1. Algumas vezes fico incomodado com essa necessidade de fazer cinema experimental/autoral apenas por fazer, sem objetivos muito claros ou honestos. Invariavelmente, o resultado não sai lá essas coisas.

    Forte abraço.

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