Karin Aïnouz é atualmente nosso
melhor diretor, e isso fica mais fácil de dizer quando nos deparamos com algo
do porte de PRAIA DO FUTURO, seu mais recente filme. Ainda que nas duas
primeiras partes as lacunas se estendam aqui e ali, às vezes um pouco além da
conta - o que não ocorre na milimétrica fração derradeira, na qual os irmãos se
reencontram na gélida Berlim - é impressionante o controle narrativo que o
diretor tem, sua capacidade de moldar o tempo em prol na sensação almejada. É
um cinema de interpretações (aqui, graças a Wagner Moura e Jesuíta Barbosa,
principalmente), mas, sobretudo de imagens, aliás as mais belas que nosso
cinema viu recentemente. PRAIA DO FUTURO é criação de gente grande, que não
precisa desculpar-se de sua origem para fazer sentido, que corre o mundo como
quem anda descalço pelo quintal.
Baseado num caso verídico, O
MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA é um filme que não tem culpa de seus derivados. Este
clássico de 1974, no qual jovens são brutalmente assassinados durante a exploração
do interior americano bizarro, na vizinhança de um matadouro, onde a desolação
parece corroer tudo, das casas às sanidades, rendeu uma série de sequências e
subprodutos. Letherface, o assassino da motosserra, cuja máscara é feita de
pele humana, entrou no imaginário coletivo e foi utilizado à exaustão em realizações
muito abaixo desta. A câmera de Tobe Hopper captura ângulos inusitados que
contribuem para uma sensação continua de estranhamento, enquanto os sons
completam a tensão. Artesania rara, ainda que hoje algumas coisas soem datadas,
um tanto toscas.
X-MEN: DIAS DE UM FUTURO
ESQUECIDO é um bom filme, além de uma engenhosa jogada de mercado. Enquanto
cinema, é um exemplar que, se não tem lá tantas partes empolgantes, mantém o
foco na história e nos personagens do anterior, X-Men: A Primeira Classe. As figuras se desenvolvem entre o futuro
sem perspectiva para os mutantes, de onde Wolverine se desloca para tentar
consertar as coisas, e o passado no qual as coisas ainda podem ser consertadas.
Há boas cenas de ação e uma sobriedade que não se vê, por exemplo, nos filmes
da Marvel. Agora, a jogada de mercado está em fundir numa só linha de tempo a
antiga e a nova cronologia, ainda (SPOILERS)
ressuscitando para os próximos filmes alguns personagens sacrificados
anteriormente, cujos carismas fazem muito bem à franquia.
A reexibição de clássicos no
cinema deveria ser prevista em lei, assim como é a cota de tela, por exemplo.
TÁXI DRIVER adquire ainda mais grandeza se visto nas condições merecidas. Travis,
veterano da Guerra do Vietnã, vaga insone em seu taxi por uma Nova Iorque
corrompida até a última alameda repleta de miséria humana. Tentativas de
normatizar sua rotina não faltam, mas esse outsider
falha e resolver salvar para ser minimamente salvo. Um cowboy urbano que, de
alguma maneira, remete a Ethan Edwards, clássico personagem de John Wayne em Rastros de Ódio, e que vira herói por fazer
justiça com as próprias mãos. A câmera de Scorsese deforma a paisagem para
justamente extrair o que ela tem de verdadeiro. O trabalho impressionante de Robert
De Niro faz de Travis um dos grandes protagonistas do cinema. TÁXI DRIVER já
era obrigatório, na tela grande, então, torna-se essencial.
Por que Abbas Kiarostami desloca
pouco a câmera em DEZ, fazendo a imagem refém de sua imobilidade, no mais das
vezes? Por que, da mesma forma, em cada diálogo dos segmentos que compõem o
longa, geralmente apenas um dos interlocutores é mostrado, e justo aquele que
está no papel de “censor” do drama contado no banco (do carro) ao lado? Suponho
que essas escolhas estão longe do acaso, pois elas amplificam os conflitos
verbais, estes sempre alusivos à situação da mulher no Irã. Desde o filho
(homem) que recrimina a mãe por ela ter se separado do pai, até as reprimendas
dessa própria mãe (uma mulher moderna para os padrões locais) à prostituta para
quem dá carona, tudo converge para formar um painel complexo da posição feminina no país. DEZ é um daqueles filmes que deflagram a genialidade de seu
diretor, pois amplo e complexo nas suas aparentes simplicidade e aleatoriedade.
Valeu, Celito!
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