segunda-feira, 9 de junho de 2014

Doses Homeopáticas #21

Karin Aïnouz é atualmente nosso melhor diretor, e isso fica mais fácil de dizer quando nos deparamos com algo do porte de PRAIA DO FUTURO, seu mais recente filme. Ainda que nas duas primeiras partes as lacunas se estendam aqui e ali, às vezes um pouco além da conta - o que não ocorre na milimétrica fração derradeira, na qual os irmãos se reencontram na gélida Berlim - é impressionante o controle narrativo que o diretor tem, sua capacidade de moldar o tempo em prol na sensação almejada. É um cinema de interpretações (aqui, graças a Wagner Moura e Jesuíta Barbosa, principalmente), mas, sobretudo de imagens, aliás as mais belas que nosso cinema viu recentemente. PRAIA DO FUTURO é criação de gente grande, que não precisa desculpar-se de sua origem para fazer sentido, que corre o mundo como quem anda descalço pelo quintal.       


Baseado num caso verídico, O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA é um filme que não tem culpa de seus derivados. Este clássico de 1974, no qual jovens são brutalmente assassinados durante a exploração do interior americano bizarro, na vizinhança de um matadouro, onde a desolação parece corroer tudo, das casas às sanidades, rendeu uma série de sequências e subprodutos. Letherface, o assassino da motosserra, cuja máscara é feita de pele humana, entrou no imaginário coletivo e foi utilizado à exaustão em realizações muito abaixo desta. A câmera de Tobe Hopper captura ângulos inusitados que contribuem para uma sensação continua de estranhamento, enquanto os sons completam a tensão. Artesania rara, ainda que hoje algumas coisas soem datadas, um tanto toscas.     


X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO é um bom filme, além de uma engenhosa jogada de mercado. Enquanto cinema, é um exemplar que, se não tem lá tantas partes empolgantes, mantém o foco na história e nos personagens do anterior, X-Men: A Primeira Classe. As figuras se desenvolvem entre o futuro sem perspectiva para os mutantes, de onde Wolverine se desloca para tentar consertar as coisas, e o passado no qual as coisas ainda podem ser consertadas. Há boas cenas de ação e uma sobriedade que não se vê, por exemplo, nos filmes da Marvel. Agora, a jogada de mercado está em fundir numa só linha de tempo a antiga e a nova cronologia, ainda (SPOILERS) ressuscitando para os próximos filmes alguns personagens sacrificados anteriormente, cujos carismas fazem muito bem à franquia.


A reexibição de clássicos no cinema deveria ser prevista em lei, assim como é a cota de tela, por exemplo. TÁXI DRIVER adquire ainda mais grandeza se visto nas condições merecidas. Travis, veterano da Guerra do Vietnã, vaga insone em seu taxi por uma Nova Iorque corrompida até a última alameda repleta de miséria humana. Tentativas de normatizar sua rotina não faltam, mas esse outsider falha e resolver salvar para ser minimamente salvo. Um cowboy urbano que, de alguma maneira, remete a Ethan Edwards, clássico personagem de John Wayne em Rastros de Ódio, e que vira herói por fazer justiça com as próprias mãos. A câmera de Scorsese deforma a paisagem para justamente extrair o que ela tem de verdadeiro. O trabalho impressionante de Robert De Niro faz de Travis um dos grandes protagonistas do cinema. TÁXI DRIVER já era obrigatório, na tela grande, então, torna-se essencial. 


Por que Abbas Kiarostami desloca pouco a câmera em DEZ, fazendo a imagem refém de sua imobilidade, no mais das vezes? Por que, da mesma forma, em cada diálogo dos segmentos que compõem o longa, geralmente apenas um dos interlocutores é mostrado, e justo aquele que está no papel de “censor” do drama contado no banco (do carro) ao lado? Suponho que essas escolhas estão longe do acaso, pois elas amplificam os conflitos verbais, estes sempre alusivos à situação da mulher no Irã. Desde o filho (homem) que recrimina a mãe por ela ter se separado do pai, até as reprimendas dessa própria mãe (uma mulher moderna para os padrões locais) à prostituta para quem dá carona, tudo converge para formar um painel complexo da posição feminina no país. DEZ é um daqueles filmes que deflagram a genialidade de seu diretor, pois amplo e complexo nas suas aparentes simplicidade e aleatoriedade.

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