"...E essas crianças em que você cospe, enquanto elas tentam mudar seus mundos, são imunes às suas consultas. Elas sabem muito bem pelo que atravessam...”
David Bowie
A classificação taxativa dos
humanos sempre foi, ao mesmo tempo, perseguida e utópica por natureza. Perseguida,
pois tendemos a enquadrar pessoas dentro de padrões pré-definidos que, em tese,
as tornam previsíveis e, portanto, mais fáceis de entender. Utópica, porque não
há maneira infalível de ordenar a complexidade inerente à nossa raça sem
incorrer em reduções graves. Claro, além disso, de tal tentativa surgem os
pré-conceitos. Se alguém pertence à determinada tribo, dele se espera
comportamentos específicos e condizentes com seus “semelhantes”. Muitos filmes
passados em ambientes escolares deixam essa situação evidente, uma vez que
escancaram justamente a construção dos arquétipos diluídos levemente no
protagonismo adulto.
Em Clube dos Cinco, o cineasta John Hughes não evita a existência dos
estereótipos, ao contrário, os expõe da maneira mais ordinária possível para,
depois e aos poucos, desconstrui-los. Sábado pela manhã, cinco jovens se
encontram na sala de detenção a fim de cumprir quase nove horas de penalização
por algo cometido. Claire, a princesinha (Molly Ringwald), Andrew, o atleta
(Emilio Estevez), Allison, a estranha (Ally Sheedy), Brian, o nerd (Anthony
Michael Hall) e Bender, o marginal (Judd Nelson), são incumbidos de escrever redação
sobre eles mesmos, isso vigiados de perto pelo professor Vernon (Paul Gleason).
O começo é intimidador, não há qualquer ligação entre os presentes e, deste
modo, surgem animosidades na ordem pretensamente regida pelo poder da escola, aliás,
instituição esta propensa à disciplina robótica para além da educação e do
desenvolvimento de potencialidades individuais.
Longe do maniqueísmo, Hughes aproxima
os adolescentes em meio a discussões sobre virgindade, mentira, drogas,
família, pressões e expectativas. Não à toa, apenas sob o efeito da maconha
(então ato subversivo), eles abrirão a guarda para ouvir, compreender e aceitar
o outro. Constata-se que não há medida de sofrimento, todos são afetados em
graus particulares quando deparados com a violenta influência dos pais. Pensar
em suicídio por tirar nota baixa ou mesmo torturar colega fraco para exibir-se,
são faces de uma moeda cunhada de valores e preocupações exacerbados, oriundos de
progenitores relapsos ou superprotetores. Difícil também ser pai.
A lamentar, apenas o fato de hoje
em dia haver poucos filmes ideologicamente próximos a Clube dos Cinco, ou seja, dispostos a refletir os jovens e suas
problemáticas, levando-os a sério. John Hughes talvez seja um dos cineastas
americanos melhor sucedidos na improvável (e difícil) combinação entre diversão
de massa e conteúdo relevante no que tange à adolescência. Esse marcante sábado
no qual Claire, Andrew, Allison, Brian, e Bender deveriam apenas cumprir castigo,
voltando, logo após, à solidão das pressões diárias, dos preconceitos e das categorizações
redutoras, inadvertidamente os muda. Juntos, assinam redação comovente, reproduzida
abaixo com a devida licença do leitor. A mesma aponta à maturidade
recém-adquirida por cidadãos agora cientes das proximidades insuspeitas que
residem nas evidentes diferenças. Tal
consciência os torna, no mínimo, mais preparados para crescer sadios (até onde
é possível) nesse mundo doente.
Caro Sr. Vernon, aceitamos o fato de que nós tivemos que sacrificar um
sábado inteiro na detenção, pelo que fizemos de errado ... mas acho que você
está louco por nos fazer escrever um texto dizendo o que nós pensamos de nós
mesmos. Você nos enxerga como você deseja nos enxergar ... Em termos mais
simples e com as definições mais convenientes. Mas o que descobrimos é que cada
um de nós é um cérebro...um atleta...um caso perdido...uma princesa... e um
criminoso. "Isso responde a sua pergunta? Sinceramente, o Clube dos
Cinco."
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Boa, Celito! Nunca assisi, quem sabe chegou a oportunidade.
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