quinta-feira, 29 de maio de 2014

Clube dos Cinco


"...E essas crianças em que você cospe, enquanto elas tentam mudar seus mundos, são imunes às suas consultas. Elas sabem muito bem pelo que atravessam...” 
David Bowie

A classificação taxativa dos humanos sempre foi, ao mesmo tempo, perseguida e utópica por natureza. Perseguida, pois tendemos a enquadrar pessoas dentro de padrões pré-definidos que, em tese, as tornam previsíveis e, portanto, mais fáceis de entender. Utópica, porque não há maneira infalível de ordenar a complexidade inerente à nossa raça sem incorrer em reduções graves. Claro, além disso, de tal tentativa surgem os pré-conceitos. Se alguém pertence à determinada tribo, dele se espera comportamentos específicos e condizentes com seus “semelhantes”. Muitos filmes passados em ambientes escolares deixam essa situação evidente, uma vez que escancaram justamente a construção dos arquétipos diluídos levemente no protagonismo adulto.

Em Clube dos Cinco, o cineasta John Hughes não evita a existência dos estereótipos, ao contrário, os expõe da maneira mais ordinária possível para, depois e aos poucos, desconstrui-los. Sábado pela manhã, cinco jovens se encontram na sala de detenção a fim de cumprir quase nove horas de penalização por algo cometido. Claire, a princesinha (Molly Ringwald), Andrew, o atleta (Emilio Estevez), Allison, a estranha (Ally Sheedy), Brian, o nerd (Anthony Michael Hall) e Bender, o marginal (Judd Nelson), são incumbidos de escrever redação sobre eles mesmos, isso vigiados de perto pelo professor Vernon (Paul Gleason). O começo é intimidador, não há qualquer ligação entre os presentes e, deste modo, surgem animosidades na ordem pretensamente regida pelo poder da escola, aliás, instituição esta propensa à disciplina robótica para além da educação e do desenvolvimento de potencialidades individuais.

Longe do maniqueísmo, Hughes aproxima os adolescentes em meio a discussões sobre virgindade, mentira, drogas, família, pressões e expectativas. Não à toa, apenas sob o efeito da maconha (então ato subversivo), eles abrirão a guarda para ouvir, compreender e aceitar o outro. Constata-se que não há medida de sofrimento, todos são afetados em graus particulares quando deparados com a violenta influência dos pais. Pensar em suicídio por tirar nota baixa ou mesmo torturar colega fraco para exibir-se, são faces de uma moeda cunhada de valores e preocupações exacerbados, oriundos de progenitores relapsos ou superprotetores. Difícil também ser pai.

A lamentar, apenas o fato de hoje em dia haver poucos filmes ideologicamente próximos a Clube dos Cinco, ou seja, dispostos a refletir os jovens e suas problemáticas, levando-os a sério. John Hughes talvez seja um dos cineastas americanos melhor sucedidos na improvável (e difícil) combinação entre diversão de massa e conteúdo relevante no que tange à adolescência. Esse marcante sábado no qual Claire, Andrew, Allison, Brian, e Bender deveriam apenas cumprir castigo, voltando, logo após, à solidão das pressões diárias, dos preconceitos e das categorizações redutoras, inadvertidamente os muda. Juntos, assinam redação comovente, reproduzida abaixo com a devida licença do leitor. A mesma aponta à maturidade recém-adquirida por cidadãos agora cientes das proximidades insuspeitas que residem nas evidentes diferenças.  Tal consciência os torna, no mínimo, mais preparados para crescer sadios (até onde é possível) nesse mundo doente.

Caro Sr. Vernon, aceitamos o fato de que nós tivemos que sacrificar um sábado inteiro na detenção, pelo que fizemos de errado ... mas acho que você está louco por nos fazer escrever um texto dizendo o que nós pensamos de nós mesmos. Você nos enxerga como você deseja nos enxergar ... Em termos mais simples e com as definições mais convenientes. Mas o que descobrimos é que cada um de nós é um cérebro...um atleta...um caso perdido...uma princesa... e um criminoso. "Isso responde a sua pergunta? Sinceramente, o Clube dos Cinco."


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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