Arte e melancolia, de mãos dadas,
melhor definem Elisabeth Bishop, poeta americana vinda ao Brasil nos anos 1950
para abrandar tormentos intermitentes. Ela largou a bucólica Nova Iorque, metrópole
cujas avenidas e demais cenários estavam impregnados de lembranças ruidosas,
para desembarcar num Rio de Janeiro caloroso, repleto de belezas naturais,
então às voltas com o progresso. Na Cidade Maravilhosa, ela conheceu a
arquiteta Lota de Macedo Soares, com quem iniciou romance de felicidades e
turbulências quase na mesma medida. Flores
Raras é o filme que chega às telas para contar a história desse
envolvimento, emoldurando-o, ainda, com a efervescência sociocultural e
política da época na qual os fatos ocorreram.
O diretor Bruno Barreto partiu do
livro Flores Raras e Banalíssimas, de
Carmen L. Oliveira, para sustentar seu longa, que abarca desde a migração da
vencedora do Pulitzer até o triste fim daquilo que alterou drasticamente sua trajetória,
esta anteriormente feita apenas de sucesso profissional e automutilação
emocional. Bishop é interpretada por Miranda Otto, atriz australiana mais
conhecida pela coadjuvância na trilogia O
Senhor dos Anéis (a partir do segundo), aqui verdadeiramente posta à prova
num trabalho que tende a lhe garantir merecido reconhecimento. Seu retrato,
entre o instrumento do sublime ofício e a vítima da decadência sentimental,
garante minuciosa identificação com a figura histórica. Já Lota surge por intermédio
de Glória Pires, outro dos pilares do filme, naquele que, provavelmente, é o
papel mais à altura de seu talento, em anos.
Aliás, se há algo bastante
consistente em Flores Raras é o
desempenho dos atores, fruto não apenas dos nomes escolhidos, mas, dada a
homogeneidade, de um possível rigor diretivo, talvez focado justo na construção
dos personagens e no posterior registro deles. De onde posso ver, não seria
exagero dizer que o tônus do filme está, de fato, nas figuras dramáticas, para
além de qualquer elemento. Entretanto, Barreto desloca sua câmera com
elegância, exibindo-se em demasia aqui e ali, é verdade, mas também nunca
deixando de lado certo refinamento no tratamento da imagem e/ou das pequenas
sutilezas. A reconstituição de época, outro fator importante, é bem
convincente, ainda mais, pois amparada pela direção de arte consonante com seus
pressupostos.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Amei sua visão sobre o filme! A política e história fazem parte desta composição que está para além de um romance homossexual. A beleza natural do Rio e principalmente ...A delicadeza com que abordou a paixão instaurada naquele Amor de urgência para uma e na cronicidade da perda para a outra ...sim, Amor, pois ainda hoje podemos ver o quanto brilha esta luz na arquitetura do luar (nesta cidade) e a arte de perder-se em poesia.
ResponderExcluirObrigado, Bianca.
ResponderExcluirRealmente esse é um filme surpreendente, dada a qualidade bastante questionável da maioria das realizações do Bruno Barreto.
Obrigado por seu comentário, sempre pertinente.
beijos
Muito bom, Celito, até havia esquecido desse filme. Certamente, assim que tiver possibilidade, organizarei uma sessão.
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