Frances Ha, mais recente filme do diretor Noah Baumbach, traz um
quê de nouvelle vague, também no que
diz respeito à estética (como é bom voltar a ver preto e branco na tela grande),
mas, sobretudo no comportamento dos personagens auto-excluídos o quanto podem
de um mundo onde as regras estão cada vez mais matemáticas, exatas. Frances (Greta
Gerwig) veio do interior e mora em Nova Iorque com a melhor amiga, Sophie (Mickey
Sumner). As inseparáveis brincam de luta a céu aberto, se embebedam, falam mal
de ex e atuais namorados, etc. Crianças grandes e imaturas, diriam uns, dado a
forma como confrontam temas importantes e dão andamento às suas rotinas. Melhor
dizer que elas simplesmente não estão dispostas a “crescer” convencionalmente
se para tal precisarem penhorar a espontaneidade.
Frances busca vencer na vida, ter
amor, bons amigos, trabalho na área de afinidade, um canto para chamar de seu,
ou seja, aspirações comuns. Ela se dá mal ao recusar convite do namorado (os
dois acabam) para preservar a amiga do infortúnio de viver sozinha, encara a
dura realidade sobre seu questionável talento profissional, entre outros
percalços, mas segue lá, enfrentando tudo com o bom humor típico dos não
contaminados pelo excesso de melancolia. Nesse sentido, a canção Modern Love, de David Bowie, cereja do
bolo de uma trilha sonora muito interessante, é ideal para definir Frances.
Podemos imaginá-la embalada particularmente pela passagem But I try, I try, pois é isso que ela faz constantemente: tenta.
Noah Baumbach, conhecido no
circuito independente americano, tem, provavelmente, em Frances Ha seu longa mais ambicioso, tanto do ponto de vista
estético quanto do temático. Reverencia o cinema francês dos anos 1960, contudo
em favor de história abordada repetidas vezes (com variações) pelo cinema americano:
menina interiorana na cidade grande encontra lugar nessa sociedade hostil, porém
recompensadora, após ultrapassar etapas difíceis. O que torna este filme tão
diferente e agradável de assistir, além da já mencionada e funcional referência
à turma da nouvelle vague e o carisma
da protagonista e dos coadjuvantes, é a maneira como ele oferece desenho de um entorno
híbrido, algo entre a romântica boêmia urbana de outrora e a atualidade dos
e-mails nos celulares e cartões de crédito.
Frances Ha é tão estranho como cativante. Não há contraindicações a
quem se aventurar pelos curtos 86 minutos de duração, a menos que o espectador
da ocasião seja arredio a tipos inusitados, cujos comportamentos passam
aparentemente ao largo da chamada “normalidade”. Entretanto, analisando sem
muita atenção aos aspectos, todos no filme guardam, sob a pretensa nova ordem
das necessidades, quase os mesmos anseios dos pais. Por sua vez, Frances evolui
a cada obstáculo transposto. Desprovida de grana ou daquele amor de fazer
congelar o tempo, ela ainda assim opta pelo positivismo, longe da alienação, é
bom sublinhar. Para ela o copo está geralmente meio cheio, o que, convenhamos,
facilita bastante as coisas.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Muito bom, Celito!
ResponderExcluirUma crítica bem construída também pode servir para isto: despertar no leitor a vontade de se tornar espectador.
Grande abraço.