Reverenciada como uma das grandes
cineastas da atualidade, Claire Denis veio ao Rio de Janeiro apresentar seu
mais novo filme, Bastardos. Ela avisou
à platéia que aguardava: o longa seria focado nas zonas sombrias dos personagens.
Partindo de determinado suicídio - filmado com maestria, numa sugestão
puramente imagética da atração nefasta entre o homem amargurado e o chão (logo
seu destino) -, somos inseridos lentamente em situações sórdidas, afirmativas do
alerta inicial da criadora. O capitão naval Marco Silvestri (Vincent Lindon)
volta à terra firme para tomar partido de questões familiares que envolvem a
morte do cunhado, o desespero da irmã e o descontrole emocional da sobrinha. Edouard
Laporte (Michel Subor) parece o responsável maior pelas tragédias e, por isso,
Marco se aproximará dele.
O lado mais frágil do empresário
Laporte é a família, sobretudo a esposa. Aproveitando tal brecha, Marco
adentrará na vida do homem que possivelmente arruinou seus parentes, em dinâmica
de vingança já bastante utilizada pelo cinema. Olho por olho, dente por dente.
Mas o que aqui interessa não é necessariamente a repetição de procedimentos, e
sim seu desenrolar. Cinema é forma, para além do conteúdo, mesmo elas sendo dimensões
inseparáveis. Nesse tocante, Denis faz jus a seus filmes anteriores, pois narra
a trama atual em meio aos habituais solavancos e lacunas, principalmente no que
diz respeito às reais intenções e à natureza dos personagens.
Contudo, Bastardos sofre de um distanciamento que beira a frieza. Tudo cai
na banalidade após o impacto do suicídio, situações vêm e vão sem muito peso.
Sedução, coação, arrependimento, morte, os acontecimentos importam enquanto
duram, sendo incapazes de, em conjunto, formar algo com maior relevância. O
incesto lembra a danação de Laura Palmer, protagonista de Twin Peaks, entretanto surge tão diluído que quase não agrega à
mensagem do filme: ninguém é inocente, no frigir dos ovos não há vítimas. Ainda
dentro das comparações, Marco tem qualquer coisa do protagonista de Rastros de Ódio, pois igualmente
solitário e regresso para resolver problema capital envolvendo (também) a
sobrinha.
Bastardos passa longe da insignificância, mas, verdade seja dita, padece
da necessidade artística (neste caso, mal resolvida) de sua criadora que, ao
conferir toque pessoal à desgastada história, a esfria até nossa quase
indiferença. Nem o elenco recheado de talentos dá conta de produzir alguma
fagulha de vibração em meio à secura, todos estão no limiar entre a burocracia
e o piloto-automático. Bastardos é,
assim, e infelizmente, filme que começa atiçando nossa curiosidade e que
termina atrapalhado por nossos (ou apenas os meus) bocejos. Uma pena.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Celito!
ResponderExcluirMuitas vezes, existe uma tênua linha que separa a arte da insignificância.
Grande abraço.