sábado, 19 de julho de 2014

CINEMA A DOIS | JIM JARMUSCH – Estranhos no Paraíso (1984)


Com bastante dificuldade, iniciei Estranhos no Paraíso, de Jim Jarmusch, e só engrenei, me sentindo capturada pelo clima tedioso, non sense e aparentemente desprovido de emoção, a partir do 55º minuto do filme (ao todo ele tem 90). Mas, admito, mesmo que tenham me proporcionado sensação de estranhamento e desconforto, os personagens “sem vida” e as telas pretas que interrompem de tempo em tempo as cenas tediosas, são exatamente o contexto do filme. Parece que Jarmusch conseguiu trazer à tona não só uma estética própria dos anos 80, como também o modo de vida dos jovens americanos dessa época.

Em alguns momentos, a música “I put a spell on you” muda ligeiramente o fluxo dessa falta de esperança dos personagens, a inércia dos mesmos, bem como a melancolia presente em cada diálogo iniciado e finalizado de forma seca, por ser uma canção repleta de visceralidade e paixão. E são nesses paradoxos que o diretor se apoia para construir seu estilo indie, recheado de cultura pop, que passeia pelo existencialismo, ao meu ver, sem muito se aprofundar. Jim Jarmusch possui uma forma bem peculiar de contar suas histórias. No caso de Estranhos no Paraíso, mais parece uma autobiografia da geração que viveu os anos 80.
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O paraíso do título é, em tese, a América das oportunidades. Os estranhos, por sua vez, seriam os imigrantes, sobretudo aqueles que se esforçam para americanizar-se, como um dos protagonistas de Estranhos no Paraíso, ele que constantemente renega sua verdadeira nacionalidade, a húngara. Primeiro, insiste para que a tia fale somente em inglês ao telefone, repetindo a imposição à prima que acaba de chegar aos EUA. Depois, ostenta com orgulho hábitos locais, como as comidas congeladas e o gosto pelo futebol americano. Eva, a prima, é um corpo em princípio incômodo que o relembra da raiz. Na aparente estagnação narrativa do filme de Jim Jarmusch, há uma necessidade de falar sobre deslocamentos e seus efeitos.

As transições entre as sequências se dão como em piscares de olhos mais prolongados, nos quais a imagem nos foge, mas o som perdura, servindo de ponte. Não há propriamente um acontecimento no enredo, mas o contraste entre a inércia e o movimento. Os três protagonistas – numa dinâmica que alude a trios da nouvelle vague (vide Jules e Jim e A Banda à Parte) – têm em comum o vazio não preenchido por qualquer promessa de satisfação a médio e longo prazo. A vida para eles é agora, sem tempo para planos além do imediato. Estranhos no Paraíso é um filme bem mais de contemplação que de ação. Contudo, a sensação de não pertencer (à geografia, aos ditames sociais, etc) faz com que os personagens instintivamente se movam.

Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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