quarta-feira, 9 de julho de 2014

Bastardos


Reverenciada como uma das grandes cineastas da atualidade, Claire Denis veio ao Rio de Janeiro apresentar seu mais novo filme, Bastardos. Ela avisou à platéia que aguardava: o longa seria focado nas zonas sombrias dos personagens. Partindo de determinado suicídio - filmado com maestria, numa sugestão puramente imagética da atração nefasta entre o homem amargurado e o chão (logo seu destino) -, somos inseridos lentamente em situações sórdidas, afirmativas do alerta inicial da criadora. O capitão naval Marco Silvestri (Vincent Lindon) volta à terra firme para tomar partido de questões familiares que envolvem a morte do cunhado, o desespero da irmã e o descontrole emocional da sobrinha. Edouard Laporte (Michel Subor) parece o responsável maior pelas tragédias e, por isso, Marco se aproximará dele.

O lado mais frágil do empresário Laporte é a família, sobretudo a esposa. Aproveitando tal brecha, Marco adentrará na vida do homem que possivelmente arruinou seus parentes, em dinâmica de vingança já bastante utilizada pelo cinema. Olho por olho, dente por dente. Mas o que aqui interessa não é necessariamente a repetição de procedimentos, e sim seu desenrolar. Cinema é forma, para além do conteúdo, mesmo elas sendo dimensões inseparáveis. Nesse tocante, Denis faz jus a seus filmes anteriores, pois narra a trama atual em meio aos habituais solavancos e lacunas, principalmente no que diz respeito às reais intenções e à natureza dos personagens.

Contudo, Bastardos sofre de um distanciamento que beira a frieza. Tudo cai na banalidade após o impacto do suicídio, situações vêm e vão sem muito peso. Sedução, coação, arrependimento, morte, os acontecimentos importam enquanto duram, sendo incapazes de, em conjunto, formar algo com maior relevância. O incesto lembra a danação de Laura Palmer, protagonista de Twin Peaks, entretanto surge tão diluído que quase não agrega à mensagem do filme: ninguém é inocente, no frigir dos ovos não há vítimas. Ainda dentro das comparações, Marco tem qualquer coisa do protagonista de Rastros de Ódio, pois igualmente solitário e regresso para resolver problema capital envolvendo (também) a sobrinha.

Bastardos passa longe da insignificância, mas, verdade seja dita, padece da necessidade artística (neste caso, mal resolvida) de sua criadora que, ao conferir toque pessoal à desgastada história, a esfria até nossa quase indiferença. Nem o elenco recheado de talentos dá conta de produzir alguma fagulha de vibração em meio à secura, todos estão no limiar entre a burocracia e o piloto-automático. Bastardos é, assim, e infelizmente, filme que começa atiçando nossa curiosidade e que termina atrapalhado por nossos (ou apenas os meus) bocejos. Uma pena.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

Um comentário:

  1. Celito!
    Muitas vezes, existe uma tênua linha que separa a arte da insignificância.

    Grande abraço.

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