CHEF é um arroz com feijão bem
temperado. Conhecemos o percurso do cara que afunda no ego, que deixa o próprio
talento e a obsessão pelo trabalho cegá-lo quanto às outras coisas importantes
da vida, e que logo vai ter de começar de novo. Mas aqui, além do diretor John
Favreau fazer um filme que pega a gente pelo estômago – e dá uma fome danada
ver o preparo dos pratos -, há um acerto de contas que desloca ligeiramente o
mais óbvio, ou seja, a frustração pessoal que logo se transforma num novo
sucesso, direcionando o filme à reconciliação familiar na viagem pelos EUA que
fará, finalmente, pai conhecer filho e vice-versa. Tudo caminha para um final
feliz, como manda o figurino. Fica a sensação de provar um prato caseiro, que a
gente já comeu diversas vezes, mas ao qual sempre volta, porque além de
familiar, o gosto é bom.
Saí da sessão de A PEDRA DE
PACIÊNCIA com a sensação de ter visto algo muito forte do ponto de vista
cinematográfico. A protagonista encara praticamente sozinha a dureza do dia a
dia de bombardeios e a criação das filhas, já que o marido está quase em estado
vegetativo após levar um tiro. A partir de seus relatos para esse ouvinte
imóvel, que involuntariamente assume papel de confessor ou analista, a gente
passa a entender melhor a opressão da mulher muçulmana, já que temos
exemplificadas as convenções sócio-religiosas que institucionalizam sua
inferioridade. A encenação se atém ao básico, a fazer da protagonista um símbolo
do sofrimento feminino cotidiano no Oriente Médio mais extremista, ainda que
conserve a dimensão muito particular de sua história. O homem ali prostrado,
quem sabe, representa a inércia fundamentalista, cuja desculpa maior é a
tradição. A mulher, pelo contrário, é uma força incontrolável, que burla como
pode o sistema cruel para viver com o mínimo de dignidade.
Assim como na maioria dos filmes
de David Fincher, em GAROTA EXEMPLAR a investigação principal é apenas uma
autoestrada pela qual trafega o comportamento humano em suas mais diversas
facetas. Com a habilidade de sempre, o cineasta conduz o inquérito mais como
desculpa para deter-se neste ou naquele personagem, para estudar condutas (às
vezes extremas) pouco ortodoxas. O marido realmente matou a mulher ou tudo não
passa de um mal entendido? Da força dessa incerteza calculada que permeia o
filme se incumbe a direção de Fincher, empenhada em ressaltar a ambiguidade dos
olhares, dos movimentos, a inflexão suspeita de uma fala qualquer. A violência
é muito mais psicológica que gráfica, as instituições são questionadas a todo instante,
bem como a verdade, esta que pode tanto ser fabricada por advogados, visando
uma boa imagem na televisão, quanto dissimulada no dia a dia para dar a (falsa)
impressão de felicidade. Um filme, em última instância, sobre o conflito entre
o parecer e o ser.
Show, Celito.
ResponderExcluirObrigado pelos breves, porém enriquecedores textos.
Grande abraço.
Olá, Rafa
ResponderExcluirAssista os três quando puder, principalmente esse A PEDRA DE PACIÊNCIA, um filmaço.
Abraços e obrigado pela leitura.