quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Doses Homeopáticas #31


Uma das cenas-chave de TOURO INDOMÁVEL, essa obra-prima de Martin Scorsese - agora devidamente vista em tela grande -, é aquela em que o boxeador Jake La Mota, preso, vítima de si mesmo, do comportamento irascível que faz a hostilidade dos ringues vazar para a vida cotidiana, tornando-o um cara essencialmente agressivo (talvez como resposta ao mundo que não lhe deu nada além de porrada), grita aos prantos: “eu não sou um animal, eu não sou um animal”. Ali, “O Touro do Bronx” clama que lhe tratem como gente, pede para verem nele mais do que aquele lutador incansável e orgulhoso de nunca ter caído. Paradoxo vivo, pois ele próprio não dá qualquer abertura para que percebam além de sua revolta materializada na violência, esta reação desferida com a mesma naturalidade contra adversários, esposas, o irmão, a máfia que cresce o olho sobre seu talento, enfim, contra todos que cruzam seu caminho. Não sei se TOURO INDOMÁVEL é o melhor filme de Scorsese, afinal ainda há Táxi Driver, Os Bons Companheiros, entre outros barras-pesadas nessa parada, mas que se trata de um grande filme, disso não há qualquer dúvida.


FOOTLOOSE é um dos meus filmes favoritos dos anos 1980. Claro, coloque aí um pouco de memória afetiva, afinal de contas ele está na base da minha formação cinéfila, pois exibido muitas vezes nas Sessões da Tarde que me mantinham frente à televisão na infância. Contudo, o longa protagonizado por Kevin Bacon envelheceu muito bem, mantendo intacta e de certa forma atual a mensagem de transgressão contida na trama do novato que precisa lutar contra uma comunidade tacanha pelo simples direito de dançar e se divertir. Há muito de Juventude Transviada em FOOTLOOSE, homenagem que fica clara na similaridade dos motes, bem como na importância conferida em ambos os longas à amizade do protagonistas com alguém também meio escanteado. Até mesmo o duelo de tratores no filme de Herbert Ross presta tributo ao duelo automotivo do clássico de Nicholas Ray. Paralelos à parte, FOOTLOOSE tem, ainda, uma baita trilha sonora, feita de famosas músicas oitentistas, daquelas que a gente fica cantarolando depois. Um filme que, particularmente, não canso de rever.



Difícil pra caramba fazer um filme episódico que não soe, no mínimo, desequilibrado, e no qual haja algo realmente genuíno ligando os segmentos. São justamente essas as proezas maiores de RELATOS SELVAGENS, uma ótima realização argentina (outra delas) que aborda vinganças com muito bom humor. A primeira parte, a do avião, já é uma grande sacada, pois nos ilude com o que, em princípio, se entende como coincidência extremamente inverossímil, mas que depois se mostra justo a força por trás de uma vendeta inapelável. Dali em diante os personagens acertarão as contas com desafetos de trânsito, com a burocracia argentina, com o cônjuge traidor, com o agiota que arruinou a vida familiar, sempre com requintes de crueldade e arrancando risadas da plateia. Mesclar violência e humor dessa maneira é perigoso, pois tal mistura tende a ser implosiva. Tá aí outra arapuca da qual RELATO SELVAGENS escapa com louvor. Os hermanos provam, mais uma vez, quem manda cinematograficamente no cenário latino-americano.

2 comentários:

  1. Cellito, não assisti ao terceiro, mas os dois primeiros são fantásticos, sobretudo TOURO INDOMÁVEL. Que filme é esse, hein? Trata de boxe? Não, vai além, muito além.

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    1. Oi, Rafa

      Tem razão, o boxe é talvez o elemento menor do filme.
      Sobre RELATOS SELVAGENS, assista quando puder, acho que tu vai gostar bastante.

      Abraços

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