quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Rápida e Mortal


Filmar western em pleno ano de 1995 pôde ser considerado, além de sinal de resistência, atitude fetichista. Sam Raimi, então um diretor de afamada carreira no cinema mais ligado ao terror, incursiona pelo oeste selvagem resgatando esse gênero que tanto contribuiu não apenas para a consolidação dos EUA como potência cinematográfica, mas para a própria linguagem do cinema. Sabe-se lá por que, o público passou a não mais responder nas bilheterias aos chamados vindos das pradarias, dos ranchos, dos valorosos e crápulas pistoleiros apresentados na tela.  Ou seja, trazer de volta o western sabendo do provável fracasso nas bilheterias é, além de declaração de amor, por que não, um ato político.

A coragem de Raimi se afirma na confiança do protagonismo a uma mulher. Em território historicamente dominado por homens, no qual a mulher ou era submissa esposa ou prostituta, surge cavalgando no horizonte a bela Ellen (Sharon Stone). Vestida tal cowboy¸ arma no coldre, chapéu e aquele olhar ferino tipo “Estranho Sem Nome”, ela chega até a cidade Redemption em busca da boa e velha vingança, tema abundante num período em que 09 entre 10 pessoas carregavam armas nas ruas e, não raro, davam vazão à raiva metendo bala na cabeça de alguém. No caso de Ellen, a desforra tem razões mais sombrias e remonta ao assassinato do pai, então Xerife, pelo bando de John Herod (Gene Hackman) que, claro, ela encontrará na cidadela com nome de premonição.

Herod promove na ocasião um torneio de tiro, onde viver é sinal de vitória. Ele traz forçosamente o velho parceiro Cort (Russel Crowe) para a peleja, tirando-o da vida dedicada às pregações religiosas para lembrá-lo de seu passado assassino. Cort, rápido e letal, será espécie de suporte psicológico a Ellen. Além da vingança, outro tema trabalhado em Rápida e Mortal é a relação pai/filho, uma vez que Herod terá como oponente seu próprio filho Fee “The Kid” (Leonardo Di Caprio), jovem ávido para provar ao pai seu valor, nem que para isso precise matá-lo em duelo.

Raimi cozinha esse assado numa panela repleta de referências, sendo a principal delas o italiano Sérgio Leone, ícone do chamado spaghetti western. Entre filiar-se à tradição estadunidense e seguir a maior dramaticidade do bangue-bangue europeu, o diretor envereda visualmente pela segunda, muito mais próxima de seu itinerário estilístico repleto de ângulos insólitos e tipos marcados. Mas Raimi não se propõe ao pastiche, dotando Rápida e Mortal de identidade própria e carimbo com sua assinatura contumaz. Quiçá o problema (se isso for problema) maior do filme resida no eclipse da protagonista por dois personagens tão ou mais fortes que ela própria: Herod e Cort. Algo a ver com as interpretações contundentes de Gene Hackman e Russel Crowe, frente à burocrática Sharon Stone? Pode ser.

Independente dessas questões, Rápida e Mortal é um filme de brios, empolgante e cheio de energia. Se não trouxe nada de novo para o gênero, o resgatou dignamente do limbo. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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