domingo, 1 de fevereiro de 2015

Juventude Transviada


A geração de Jim Stark (James Dean) é subsequente à da Segunda Guerra Mundial. Portanto, a agitação e o inconformismo vistos na conduta dos ainda jovens passam necessariamente pela herança do conflito. Em Juventude Transviada (1955), a rebeldia ganha forma nas atitudes do jovem encrenqueiro recém-chegado à cidade, dos colegas que hostilizam sem motivos aparentes, da menina revoltada frente a não reciprocidade do carinho demonstrado (exageradamente) pelo pai, e do menino deslocado, logo completamente apegado ao forasteiro como se o mesmo pudesse substituir o pai ausente. Tudo começa na delegacia, onde somos apresentados aos personagens principais desse verdadeiro clássico, um filme cuja atemporalidade reside no retrato contundente da adolescência e de suas complexidades.

A raiva incontida de Jim se explica, em boa parte, pela vergonha que ele sente do submisso pai, um homem passivo, sobretudo diante da mulher autoritária. Judy (Natalie Wood), da mesma maneira, é guiada pela reatividade à figura paterna, enquanto “Platão” (Sal Mineo) expõe sua carência como resposta ao abandono. Presos às questões de hereditariedade sentimental, esses adolescentes que se comportam no mais das vezes como crianças desamparadas, crescerão a fórceps por conta de eventos sequenciais trágicos: um deles, fruto da imprudência própria à ebulição hormonal e à “necessidade” de provar honra, e o outro, derradeiro teste ao qual a infantilidade será submetida.

Talvez, a passagem que exponha com mais clareza a dificuldade dialética entre pais e filhos é aquela em que Jim, ciente de sua parcela de culpa num acidente fatal, busca orientação, pois disposto a entregar-se à polícia. Enquanto ele tenta finalmente seguir o caminho da retidão, pai e mãe procuram dissuadi-lo, apelando à necessidade de mentir para não “estragar a própria vida”. Ora, se para eles o instinto de autopreservação vem antes da verdade numa situação extrema como a que se apresenta, isso desdiz o que ensinaram ao garoto durante todos esses anos. A ruptura que se dá é movimento necessário ao próprio amadurecimento de Jim, ali transferido da “inocência” direto à sordidez da vida adulta. O resultado é uma explosão irracional, resposta tão violenta como automática. 

Papel que imortalizou James Dean, Jim começa o filme totalmente escravo de seus impulsos, e acaba como “chefe” de uma família desmantelada pela dor. A descoberta do amor é tão importante quanto assumir certas responsabilidades. “Quando for mais velho você vai entender”, sentencia seu pai, numa máxima certamente familiar a todos nós, e que se não assume um caráter definitivo, é ao menos fruto da experiência de quem já vislumbrou a impossibilidade de viver pleno em fúria num mundo onde precisamos de regras sociais para coexistir. Juventude Transviada é um filme grande talvez por isso, pois dá voz à geração nova, sem ridicularizar a anterior já calejada pelas pancadas cotidianas. 


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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