terça-feira, 31 de março de 2015

Doses Homeopáticas #41


A sala de cinema deve ter sido inventada para que a gente pudesse assistir aos filmes de John Ford. RASTROS DE ÓDIO já era uma obra-prima se vista em casa, nas mínimas condições, mas na telona ganha uma proporção artística ainda maior, seguramente se instaurando naquele seleto grupo dos maiores filmes já feitos. Desde o primeiro plano, ou seja, a chegada do personagem de John Wayne, até o final, o icônico enquadramento que mostra a partida desse solitário depois da missão cumprida, o filme é uma aula. Wayne, de tantos papeis importantes, sobretudo ao lado de Ford, aqui tem seu melhor trabalho. Ford mostra sutileza quando necessário (vide a paixão secreta entre Ethan e sua cunhada) e esbanja técnica e talento nas tomadas grandiloquentes, mais expressivas e diretas. Além disso, mescla a urgência da procura dramática e momentos de humor, estes que funcionam mais que como simples áreas de escape. Não à toa, esse longa fornece elementos imprescindíveis para, ao menos, duas outras obras-primas: Táxi Driver e Paris, Texas, nos quais, Martin Scorsese e Wim Wenders, respectivamente, também mostram um homem fraturado que toma como missão o “resgate” de uma mulher em perigo. Que grande filme.


CINQUENTA TONS DE CINZA começa muito mal. Aquela cena da menina entrevistando o multimilionário chega a ser quase constrangedora de tão artificial. Na medida em que eles passam a se relacionar, o que temos é um conto de fadas, com o príncipe apaixonado pela plebeia. O que pode atrapalhá-los é a inclinação sádica dele, sua propensão a dominar e subjugar quase completamente suas parceiras. Delineados os personagens e a dinâmica entre eles, tudo transcorre meio sem graça, ainda que não seja um filme aborrecedor. As cenas de sexo poderiam ser muito mais ousadas e se não são, chuto, boa parte é por influência dos produtores, já que uma classificação alta não é algo bom para os negócios. Dakota Johnson vai relativamente bem como a mocinha virginal que se submete a levar umas palmadas para satisfazer o homem que ama. Já Jamie Dornan, embora consiga num primeiro momento encarnar a secura emocional do Sr. Grey, não é capaz de transmitir sutilmente a influência que essa menina teimosa terá em sua vida. Fora os deméritos da trama originária do livro, cinematograficamente é tudo muito limpo, simétrico, arrumado, ou seja, asséptico demais.


Há coisas que eu simplesmente não compreendi em FORÇA MAIOR, portanto faço o mea culpa. Acho muito interessante a situação insólita da avalanche que vai ter desdobramentos fortes na relação do casal de férias com os filhos nas montanhas. Frente à iminência da tragédia, o cara foge, deixando a mulher e as crianças para trás. O desconforto passa a dar as cartas, por exemplo, com mágoas expostas em jantares a princípio amistosos. O casamento vai sendo dinamitado aos poucos, numa derrocada testemunhada com pesar pelos filhos. Toda essa teia sentimental é muito bem construída, assim como as belas imagens que mostram o gigantismo da natureza em comparação à pequenez humana. Contudo, várias passagens me soaram ou despropositadas ou reiterativas. O roteiro ligeiramente dispersivo assinala uma necessidade de verbalizar bastante sobre os relacionamentos, vínculos que, como bem disse uma amiga após a sessão, não sobrevivem sem uma dose de encenação. A natureza que lá fora muda de amistosa para hostil em questão de segundos, é semelhante ao turbilhão de sentimentos que toma todos de assalto. A meu ver, o pecado não está no “o quê” e sim ligeiramente no “como”, sobretudo no que diz respeito ao ritmo da narrativa.

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