domingo, 3 de maio de 2015

CINEMA A DOIS | RICARDO DARÍN – Kamchatka (2002)


O universo de Kamchatka é retratado com sensibilidade e humanidade num contexto político. Uma história que fala de amor, de laços afetivos num cenário bélico, de tensão e angústia na Argentina da década de 1970. Harry, o garoto, filho do casal que precisa fugir da ditadura, se vê praticamente sem saída e elege uma alternativa bastante interessante: jogar com seu pai todas as noites. O jogo explica um pouco do enredo, se tornando recurso lúdico que faz do filme mais inteligente e sagaz. Se acrescermos isso ao fato do menino praticamente conduzir a narrativa, a potência do expediente aumenta.

Os atores principais do elenco (Ricardo Darín e Cecilia Roth) unem forças para desempenhar conjuntamente muito bem seus papéis, mesmo que estes estejam longe de ser os mais importantes de suas respectivas carreiras. Já o menino que interpreta Harry atua de maneira promissora. Existe um engajamento poderoso na forma como eles agem, passando sempre a ideia da família nuclear enquanto importante e mantenedora, preservando todo sentimento, cultivando-o dia a dia, no meio de uma guerra que estoura lá fora. Excelente filme.
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Em Kamchatka, Ricardo Darín é um pai que, como tantos contrários à ditadura militar instaurada na Argentina, se isolou com sua família para evitar perseguição e morte. O mais importante no filme de Marcelo Piñeyro é a experiência infantil, a inocência dos filhos sendo confrontada pela barbárie de um regime que torturou e fez desaparecer. A repressão não precisa ser vista por meio da violência física, pois presente, de maneira ainda mais contundente, em cada momento de tensão, nas entradas e saídas às escondidas, no treinamento das crianças para eventuais emergências, na necessidade de ensinar a eles novos nomes, novas vidas, de privá-los do contato com os amigos.  

O mais velho se agarra nas peripécias de Houdini, o escapista. O mais novo sonha em ser santo. Ricardo Darín e Cecilia Roth interpretam os pais tidos como subversivos, que precisam salvar as próprias peles e ainda proteger os filhos dos perigos que os rondam. O narrador-protagonista lembra com carinho das partidas em que Kamchatka era o território onde se podia resistir, metáfora para o esforço de muitos que resolveram não cruzar os braços frente aos desmandos militares. Não só a Argentina, mas, infelizmente, boa parte da América latina viveu sob o jugo ditatorial em algum momento. Filmes como Kamchatka são imprescindíveis, pois nos dão a dimensão do que de humano se perdeu nos nefastos anos de chumbo.




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