sábado, 11 de julho de 2015

Doses Homeopáticas #46


MAMMA ROMA é a risada de Anna Magnani, atriz que corporifica a bravura materna levada às telas por Pier Paolo Pasolini. Ex-prostituta, ela busca o filho criado no interior para morar na cidade grande. Acossada pelo cafetão do passado, Mamma Roma precisa cuidar de Ettore para que ele não sucumba às más influências dos jovens vizinhos que vivem de delitos. O subúrbio é o local das ruinas, habitat daquela geração vagante sem eira nem beira, sem perspectivas. A descoberta do amor, a desilusão, o mundo fracionado ao redor, fazem de Ettore um símbolo, assim como Mamma Roma, matrona que sustenta (no sentido emocional e financeiro) o filho para que ele não tenha as mesmas dificuldades. Seja gritando a plenos pulmões na feira livre ou perambulando em conversas reflexivas com outros seres nutridos pelas oportunidades noturnas, Mamma Roma reafirma sua sobrevivência contra todas as probabilidades, personificando como poucos personagens a força do povo italiano que resistiu à guerra e enfrentou de cabeça erguida a miséria e a dor latente do período.


Um privilégio assistir a MORANGOS SILVESTRES em tela grande, numa cópia nova em folha. O homem que sonha com um relógio sem ponteiros e consigo próprio dentro de um caixão, já numa idade em que a morte se aproxima, cruza estradas em busca de uma láurea, refletindo sobre a existência. Em meio às lembranças da infância, ele também rememora relacionamentos conturbados que lhe deixaram marcas indeléveis. Seja dando carona aos jovens ávidos para viver da maneira pulsante, ou mesmo nas conversas com a cunhada que lhe confessa pouca simpatia, o protagonista passa a limpo a própria vida. Assim, exorciza fantasmas que lhe acompanham insistentemente. Ingmar Bergman torna seu ídolo, o também cineasta Victor Sjöström, um personagem emblema que carrega nos ombros a ânsia de quem busca no passado a possibilidade de contemplar, com menos pesar, o presente e o futuro.


DE GRAVATA E UNHA VERMELHA é um filme estruturalmente meio quadrado. Pouco do que se vê é potencializado pela maneira como a diretora Miriam Chnaiderman articula os depoimentos. O entrevistador Dudu Bertholini é apenas um ouvinte privilegiado. Contudo, o documentário possui dizeres fortes, alguns até emocionantes, que dão conta de apresentar a multiplicidade antagônica do binarismo de gênero, verdadeiros desabafos de gente que viveu muito tempo lutando contra o próprio corpo biológico, ou não necessariamente. Ney Matogrosso, Laerte, Rogéria, entre outros menos conhecidos, contam histórias que nos ajudam a entender com um pouco mais de clareza, e menos folclore, por exemplo, a transexualidade. Nos tempos nefastos de Felicianos e Bolsonaros, importante termos filmes como este, que lançam luz sobre questões imprescindíveis, tais como a complexa construção de gênero, suas implicações físicas, psicológicas e sociais. Diante da relevância do documentário, cai bem uma vista grossa às suas fragilidades.

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