domingo, 19 de julho de 2015

Doses Homeopáticas #47



GREMLINS é um conto de Natal macabro e muito bem-humorado. O garoto ganha uma criatura estranha que todos tomam por exótica. Ao molhá-la, ela se multiplica. Alimentando os outros depois da meia-noite, cria uma espécie assassina e zombeteira. O diretor Joe Dante arruma tempo, em meio à correria provocada pelos pequenos monstros que tocam o terror na cidade, para que determinada personagem conte uma história triste, envolvendo um pai de pescoço quebrado e entalado na chaminé pela qual deveria descer com os presentes natalinos. Há muitas homenagens ao próprio cinema, sendo a mais marcante delas a cena em que os gremlins assistem ao clássico Branca de Neve e os Sete Anões, com direito a coro ressoando a música e tudo. Não faltam criaturas sendo moídas em trituradores, atacadas a facadas pela mãe do protagonista, queimadas vivas, assim como os próprios humanos vitimados por flechadas, mordidas, emboscadas e outros tipos mais ou menos explícitos de violência. É um blockbuster daqueles que hoje certamente passariam por uma espécie de esterilização para chegar às telas, sobretudo com a chancela de um grande estúdio. Filme divertido e sinistro na medida certa para entreter e marcar uma época.


Em ENQUANTO SOMOS JOVENS, o casal interpretado por Ben Stiller e Naomi Watts é arrebatado pela jovialidade e o frescor do relacionamento dos personagens vividos por Adam Driver e Amanda Seyfried. O documentarista quarentão começa a usar chapéu, a andar de bicicleta, a se abrir para um mundo menos rígido. Sua esposa segue o ritmo, aprendendo dança, indo a cerimônias de purificação espiritual, etc. Há um paradoxo instaurado na comunicação entre o velho e o novo, já que os jovens ouvem LPs, enquanto os de meia-idade estão completamente viciados em celulares e outras tecnologias digitais, por exemplo. No instante em que o garoto envolve o mais experiente na produção de um documentário, o filme de Noah Baumbach exibe sua segunda camada de importância, instaurada na discussão do próprio cinema enquanto linguagem. Emblemática a cena do diretor controlando remotamente o zoom para captar uma emoção fabricada. O processo de produção do filme coloca em rota de colisão dois criadores, trazendo à tona, além de diferenças geracionais e de formação, uma disparidade no que diz respeito à maneira como ambos encaram o ofício de transformar ações e reações em cinema. Os comportamentos e decisões são relativos, passíveis de ataques e defesas, nesse filme que lança bem mais questões que respostas. 



Hoje em dia, a comédia romântica é um subgênero desgastado, talvez boa parte porque os realizadores não conseguem se desvencilhar de seus lugares-comuns. HARRY E SALLY, a despeito de não ser de “hoje em dia” e de não apresentar necessariamente novidades - a começar por sua vocação de valorizar do amor enquanto sentimento capaz de reduzir qualquer dano-, é um bom exemplo de como trabalhar dentro das convenções sem entregar-se às suas facilidades. Billy Crystal e Meg Ryan formam um casal improvável desde o início. Anos se passam, entre encontros e desencontros, até que eles se tornam grande amigos. Da amizade ao desejo/amor é um pulo. Mesmo que eles não queiram ver, estão apaixonados, curtindo cada momento passado na companhia do outro. Os relacionamentos amorosos são vistos no que eles têm de mais corriqueiro, mas há (e esse é o diferencial do filme) uma fina camada abaixo da superfície que evidencia as dificuldades de manter as ligações afetivas. O diretor Rob Reiner, assim, faz um filme divertido, bem-humorado, no qual inevitavelmente torcemos para que os protagonistas se percebam de verdade e entendam que a amizade já virou amor há muito tempo. O grande trunfo aqui é evitar a canonização do sentimento como algo alheio às dificuldades e, mesmo assim, celebrá-lo como força vital imprescindível. 

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