sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Doses Homeopáticas #58


Em LA SAPIENZA os personagens falam diretamente à câmera, como se o interlocutor fôssemos nós, espectadores. Em crise, matrimonial e profissional, um arquiteto francês parte com a esposa para o interior da Itália, pois planeja efetivar o estudo sobre uma de suas referências. Há uma frieza quase total no relacionamento do casal, eles mal se olham, interagindo burocraticamente. Tudo muda depois de encontrarem dois irmãos, uma menina fragilizada por determinada doença (talvez de fundo somático) e um garoto cheio de energia que sonha em ser também arquiteto. O cineasta Eugène Green faz um filme lento, no qual as imagens permanecem na tela tempo suficiente para delas apreendermos o que na pressa deixamos escapar. Progressivamente os mais jovens mostram aos mais velhos a chama que ainda pode inflamar suas vidas. Fala-se muito a respeito de luz, nos contextos literal e simbólico. Formalmente rigoroso, caudaloso, é o tipo de filme que pode afugentar alguns, enfadar outros tantos, mas que oferece a recompensa devida a quem embarcar na construção cinematográfica de Green, que dá conta de combater a aridez, o embotamento decorrente das tristezas cotidianas, com a beleza intrínseca à criação, aos encontros e às trocas.


Protagonista de LÉOLO, Léo se crê filho de um italiano onanista que contaminou os tomates esmagados por sua mãe após um acidente. Isso lhe veio por meio de um sonho. Preferindo ser chamado de Léolo, esse garoto vive às voltas com a própria imaginação para afastar a loucura hereditária que acomete quase toda a família. Narrando em prosa e verso seu cotidiano de experiências, entre as inerentes a qualquer criança e as bastantes singulares, ele cria um mundo próprio, no qual se refugia da realidade. Fácil se afeiçoar a esse menino que funciona como um dos pilares da casa, o outro é a mãe, sempre tão afetuosa com ele, mesmo em momentos bizarros como a vigília para garantir a evacuação, algo obsessivo para o pai. Aliás, mesmo num ambiente degradado como aquele, o que não falta é afeto, sentimento tornado âncora que mantém todos unidos, até onde possível, contra a patologia que ameaça a sanidade. O tom de fábula ameniza ligeiramente a miséria daquela gente, mas não dá conta de segurar a torrente de tristeza que marca o encerramento desse filme em que a esperança quase vence as probabilidades, quase.



TUDO VAI FICAR BEM é um desastre quase completo. Não fosse a engenhosa cena do acidente, em que o protagonista transita do alívio ao desespero em questão de segundos, o filme seria descartável de todo. Há um privilégio às emoções fáceis, à autocomiseração e à lamúria, opção que não encontra nos atores, e muito menos na direção, algum registro que dê conta de minimizar os danos. A recorrência das várias transições do tipo “tanto anos depois”, expediente que visa marcar a passagem do tempo, expõe a fragilidade do roteiro. No que diz respeito às atuações, não há um destaque sequer, ao menos não positivo. James Franco, que virou caricatura de si mesmo, escancara suas limitações, sempre recorrendo ao franzir do cenho e às caretas para tentar transmitir a angústia de seu personagem. Já a de Charlotte Gainsbourg só chora, desenha e, de vez em quando, solta alguma pílula que denota fé. Fosse obra de um diretor estreante, a precariedade estaria, até certo ponto, ao menos justificada. Mas, não, estamos falando de Win Wenders, um grande cineasta que já nos deu obras-primas, como Paris, Texas, mas que, infelizmente, não vem fazendo jus à própria trajetória. 

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