terça-feira, 21 de abril de 2009

Entre os Muros da Escola

Direção: Laurent Cantet
Roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo e François Bégaudeau, baseados no livro de François Bégaudeau
Elenco: François Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela, Cherif Bounaïdja, Juliette Demaille, Dalla Doucouré, Arthur Fogel, Damien Gomes

A escola é um dos organismos mais elucidativos quanto aos rumos que a grande massa social toma. Com esta sentença pessimista de início, não quero aqui me colocar ao lado dos balzaquianos que ainda pregam aquele regime antigo, baseado em castigos, muitas vezes físicos, para os alunos que não se comportam direito, pois não creio que isso possa ser chamado de educação. Crescemos, pelo menos os da minha geração, sendo atemorizados por nossos pais, aqueles alunos que sofriam os famigerados castigos físicos e que, antes que começássemos nossa vida escolar, nos pintavam os professores como pessoas a, não somente serem respeitadas, mas temidas. Os tempos mudaram muito, a educação sofreu diversas mutações e, hoje em dia, o que vemos na escola é, geralmente, uma turma pouco propensa ao saber, que mira no professor sua “rebeldia sem causa”, como se o mesmo fosse representante da obrigação que os pais infringem neles para estudar, para serem alguém na vida. A questão da escola é complexa, realmente um tema espinhoso.

Tendo como cenário um liceu no subúrbio de Paris, e baseado no livro de memórias do professor François Bégaudeau, o diretor Laurent Cantet surpreendeu ao abocanhar um dos maiores (em minha opinião o mais relevante) prêmios do cinema mundial. Cantet fez com que ficasse na França a Palma de Ouro do Festival de Cannes, fato que não ocorria desde 1987, após apresentar ao mundo Entre os Muros da Escola, drama ambientado na sala multi-cultural do professor de francês, François Marin. Curiosamente, Marin é interpretado pelo professor/escritor François Bégaudeau, ou seja, o diretor o utiliza na função que desempenha na realidade. Os alunos, cada qual vindo de uma parte do mundo, numa clara representação da mistura de culturas que é muito regular nos países europeus, tampouco são atores profissionais. A escolha de Cantet parece óbvia, afinal utilizar o escritor do livro no qual se baseia o filme, acostumado com o ambiente de uma sala de aula, e um monte de atores que, na realidade, são alunos, se apresenta como saída óbvia para uma representação mais simples, mais natural. Não que isto deixe a verdade totalmente de lado, mas, atribuir ao amadorismo do elenco a verossimilhança do filme, da abordagem, é reduzir o grande trabalho de Laurent Cantet na direção deste magnífico filme. Até porque, baseado nas entrevistas concedidas pelo diretor por ocasião de sua vinda ao Brasil, sei que ele utilizou os adolescentes em personas fílmicas bem diferentes de suas verdadeiras e, o próprio Bégaudeau toma, no filme, atitudes destoantes das dele como educador, ou seja, é uma das várias liberdades que Cantet toma em relação ao livro que lhe serve de sustentação.

Entre os Muros da Escola é um daqueles filmes que cumprem diversas funções, um exemplar que exala o frescor criativo que só as grandes obras possuem e, é, em opinião particular, por acaso consonante com a maioria da crítica especializada, uma obra-prima. Porque eu disse que o filme cumpre diversas funções? Bem, vamos às mais importantes. Primeiro, no que diz respeito ao cinema, é uma obra de imensa qualidade e relevância, fruto do trabalho de um diretor sensível que, utilizando um roteiro primoroso, prende a atenção do espectador por mais de duas horas, num filme essencialmente oral. A linguagem utilizada é seca, despida de maneirismos, ou quaisquer outros elementos que poderiam nos induzir, ao invés de provocar reflexão. A opção pela não utilização de trilha musical é uma destas ausências pontuais que fazem o trabalho mais “cru”, assemelhando-o à um registro documental. Já no campo social, Entre os Muros da Escola é certeiro ao propor discussão sobre a situação caótica vivida pelos professores, que necessitam conviver com alunos cada vez mais desinteressados. Aborda também o viés do aluno que, muitas vezes, é somente reflexo de um mundo que não oferece perspectivas. Outra questão vital é a mistura de raças e crenças, a questão das fronteiras, que parecem obsoletas diante de um mundo que celebra a globalização e a migração, no caso do filme, mostrando estes imigrantes que vêm de países assolados pela pobreza, guerras étnicas, outros conflitos e/ou problemas sociais graves.

Ficaria horas discorrendo sobre Entre os Muros da Escola, um primor narrativo. A direção de Cantet (e tenho por convicção pessoal o termo “direção” no todo e não somente relativo aos atores ou aos posicionamentos de câmera, para exemplificar) é espetacular pela simplicidade e competência com que retrata assuntos tão pontuais, tão importantes, afastando-se do maniqueísmo, construíndo relevantes e multifacetadas figuras. Some à este trabalho de direção, as interpretações tocantes do elenco, com destaque para François Bégaudeau, o roteiro brilhante técnicamente e suas múltiplas temáticas essenciais, e temos um grande filme, uma obra que, como digo frequentemente, causa iluminação.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Como bem disse, o filme é excelente do ponto de vista cinematográfico e quanto à questão de extrema relevância que aborda, ainda mais se detivermos nossa atenção nos outrora inimagináveis casos de agreção no ambiente escolar. O filme denuncia, em certos casos, a agressividade que o mundo demonstra aos alunos, avassalador, demolindo as estruturas que servem como básicas para a formção de uma personalidade sem manchas, sejam elas da corrupção ou de sangue. Esses, por sua vez, vêem a sala, antes reduto do aprendizado, como válvula de escape, como ringue, onde o professor é um rival a ser deitado em solo e, cruelmente, pisoteado. A troca de ideias não se faz possível em tal atmosfera, não ignoramos os detentores de conhecimento que se ousam supor acima de qualquer opinião emitida em classe, mas o feedback, tristemente, quando vem, vem em forma de palavras ou mesmo movimentos físcos ríspidos e desmedidos.

    Abraçossss

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  2. Outro filme que infelizmente ainda não pude ver. Espero que 'Entre os Muros da Escola' não seja, para mim, o caso típico do filme elogiado por muitos que não me agrada. Mas creio que tal fato seja difícil de ocorrer, pois pelo que vi e li sobre ele até então, incluindo aqui seu texto, imagino que me agradará e muito.

    Abraços!

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