sábado, 8 de maio de 2010

A Fita Branca

Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaußner, Steffi Kühnert, Josef Bierbichler

As raízes do mal são estudadas pelo austríaco Michael Haneke em seu mais novo filme, A Fita Branca, vencedor da última edição do Festival de Cannes. Como a narrativa se passa num vilarejo no interior da Áustria, podemos analisar que a diegese de Haneke também versa (objetivando aqui um pouco) sobre a origem do nazismo ou mesmo acerca da gestação de qualquer sistema totalitário. E esta origem se dá, segundo Haneke, por meio da opressão moral e religiosa presente na criação rígida, imposta pelos pais às crianças. Então elas, as crianças, se desenvolvem cheias de dogmas e culpas indevidas. Michael Haneke é um diretor que não opta por caminhos fáceis. Ele não pensa no conforto do espectador na hora de lhe apresentar um filme, uma narrativa como esta, que forma interessante painel com seus filmes anteriores. O austríaco, ciente do poder que o cinema tem, parece querer sempre tirar dos personagens seus lados mais sombrios, mostrando que o mal está constantemente a espreita, que basta uma semente mal regada, um descuido por parte das almas diligentes encarregadas do rebanho de um Deus ausente, para que as piores facetas ganhem a luz. Não se tratam, de maneira alguma, de relatos maniqueístas, de classificações arbitrárias, e sim de mostrar por meio de suas personas apenas o que de fato somos, dúbios, divididos entre bem e mal, sem que estas definições excluam os meios termos, as sombras que ficam entre o claro e o escuro extremos, que cegam com semelhante crueldade.

Utilizando as composições familiares, as relações entre seus integrantes, e relacionando-as com a apreensão generalizada, ocasionanda por uma série de “acidentes” ocorridos no pequeno vilarejo onde transcorre a história, o diretor faz em A Fita Branca um estudo riquíssimo de personagens, de apurado senso ético/estético. O filme causa uma espécie de estranhamento, mesmo aos já iniciados na obra de Haneke e acostumados com seus signos mais caros. É, porém e, sem dúvida, uma obra poderosa, feita por um mestre contemporâneo da arte de filmar, que aqui se apropria de uma belíssima fotografia em preto e branco, além de utilizar brilhantemente o som e os tempos mortos. Há ainda uma gama rica de subtextos e metáforas visuais. Por exemplo, seria o passarinho uma representação nossa, a mercê de um Deus doutrinador que utiliza suas leis para nos aprisionar, para nos admirar em nossa falta de liberdade? Ingmar Bergman me veio à cabeça enquanto via A Fita Branca, pois o sueco parece presente especialmente em instantes nos quais Haneke coloca em cheque a educação cristã, os castigos em nome de um Deus alheio à pureza infantil e, especificamente, numa sequência da humilhação de uma personagem, que se não é copiada, é uma homenagem direta a Luz de Inverno, uma das mais célebres obras de Bergman. Também pensei durante a sessão em Robert Bresson e seu Diário de um Pároco de Aldeia, pelo paralelo possível entre os filmes no que tange a culpabilidade e em como a religiosidade influencia na construção da ideia singular de certo e errado, moral e imoral.

No parágrafo anterior falei de um estranhamento, e ele se dá não bem pela forma como sentimos o tempo passar (afinal de contas num filme de temática tão pesada, construído de maneira tão solene, é normal que sintamos a dolorosa e lenta passagem do tempo) mas pela forma como as histórias familiares se comunicam. Tem-se a impressão, pelo menos eu a tive, de que a força individual de cada núcleo (já que ele é contado quase que de maneira episódica) não se transporta com a mesma intensidade para o todo, ou seja, por vezes ele funciona mais em pedaços. O bom é que estes fragmentos funcionam tanto que a falha na unidade não se sente em demasia, não atrapalha a fruição, deixando apenas um estranhamento que, curiosamente, leva, em seguida, ao sentimento da necessidade de uma segunda visita ao filme. Pois bem, então, mesmo que não seja isento de arestas, A Fita Branca é grande, uma discussão profunda e solene a respeito de temas como o autoritarismo, o questionamento da existência de Deus, entre outros. Repito, imperfeito, mas grande filme.

3 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Sabe, o filme me causou certo estranhamento também. Estranhamento não, confusão entre os personagens. Por isso, pretendo assistir novamente, assim que lançado, e revisitar tão bela produção. Haneke, talvez o mais injustiçado diretor contemporâneo.

    Abraçossss

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  2. Fiquei bem confusa também e não por não conseguir identificar vítimas e culpados mas pelo emaranhado da trama que ele faz questao assim como em "Caché" de tornar nebulosa.

    beijos
    Carol

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  3. Acho interessante justamente essa composição dos personagens de Haneke, essa ambiguidade, neste e em outros filmes, onde todos possuem culpa no que quer que o mestre austríaco analise. Não posso dizer que "A Fita Branca" foi uma grata surpresa para mim, pois não poderia esperar menos do diretor, um de meus favoritos. O trabalho de Haneke nesta, assim como em outras de suas brilhantes obras, nunca causa menos do que a indagação e propõe diversas reflexões sobre a natureza humana. Um cineasta que consegue unir técnica e cérebro em um mesmo filme é, no mínimo, digno de muita admiração - e Haneke ainda consegue ir muito além disso.

    Abraços Celo!

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