sexta-feira, 7 de maio de 2010

Entrevista: Terry Gilliam









Com a estreia no país do maravilhoso O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus, decidi inaugurar um novo espaço no The Tramps que há algum tempo idealizo. Nossa seção de entrevistas se inicia com a conversa que Todd Gilchrist, jornalista do Cinematical, teve com Terry Gilliam. O ex-Monty Python fala sobre seu novo filme, carreira, futuros projetos e a participação de Heath Ledger neste que foi seu último filme. A entrevista que segue é uma tradução integral da conversa publicada entre Gilchrist e Gilliam, e o conteúdo original você encontra aqui.


Entrevista: Terry Gilliam
Feita por Todd Gilchrist em 14 de janeiro de 2010

“Eu penso que o problema é que nós estamos vivendo em um tempo com muitas escolas de cinema”, diz Terry Gilliam a mim enquanto eu saia após finalizar uma entrevista para “O Imaginário do Dr. Parnassus”. “Muitas pessoas estão tentando intelectualizar e colocar em palavras simples que todos possam entender.”. Por mais que eu apreciasse a sinceridade de Gilliam, eu não pude evitar de pensar que ele estava se referindo ao menos em parte a mim, que passei a maior parte dos 15 minutos anteriores tentando fazer com que ele explicasse detalhadamente como ele desenvolveu essas maravilhosas e estranhas ideias, e então de alguma forma colocou na tela.

Gilliam esteve trabalhando em cinema por mais de 40 anos, criando algumas das mais incríveis, espetaculares e acima de tudo inexplicáveis imagens que o público jamais havia visto. Infelizmente, no entanto, além de oferecer um retorno à boa forma para o diretor visionário, seu último projeto ficou reconhecido primeiramente como uma homenagem para o grande Heath Ledger, que faleceu durante as filmagens e que teve seu papel eventualmente completo com a ajuda de Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell, que calçaram os sapatos do personagem para filmar suas cenas finais. O Cinematical falou com Gilliam no final do ano passado durante uma coletiva de imprensa para Parnassus e aproveitou para discutir as ramificações do falecimento de Ledger na produção, o iconoclasta puxar de cortina em seu estilo não convencional, e refletiu as quatro décadas de produção cinematográfica – um pouco das quais, seguindo meus maiores esforços, podem ser explicadas ou analisadas intelectualmente.

Cinematical: Talvez apenas para chegar a mais óbvia questão e tirá-la do caminho, sobre o uso de outros atores no papel de Tony, o quanto alterou ou teve de ser alterado após a morte de Heath Ledger?

Terry Gilliam: Nada. Apenas a ideia de uma face alterada. Existiram certas cenas que eu tive de desistir, mas está exatamente como nós escrevemos exceto em uma cena do lado de cá do espelho. Heath não estava entre nós para fazê-la, então eu o puxei para o outro lado do espelho e Jude [Law] a fez com Andrew [Garfield]. Há uma cena quando ele aparece pela primeira vez com Parnassus que nós excluímos inteiramente, mas você não a perde. E era isso, embora existissem algumas pequenas trapaças durante todo o processo para arrumar certas coisas. Então é basicamente o filme que nós nos preparamos para fazer, mais três pessoas extras (risos).

Cinematical: Houve algo que você filmou com o Heath que teve de cortar?

Gilliam: Não. Tudo está ali. Nós não desperdiçamos nenhum momento das coisas de Heath (risos).

Cinematical: A abertura do filme parece ser uma resposta para audiências que desconsideram espetáculos. Foi uma escolha deliberada?

Gilliam: Tudo o que eu faço é reativo. É tudo o que eu estou sentindo sobre o estado corrente do mundo, então há muito disso. Eu penso que existem coisas extraordinárias lá fora e as pessoas não estão prestando atenção. Eles estão muito envolvidos no que seja que eles estão fazendo – bebendo, comprando, jogando seus jogos de Playstation. Há um mundo lá fora: acordem pessoal! E Parnassus está lá e eles não podem ficar contrariados. Eles são como Martin bêbado porque ele apenas está sempre vendo alguma coisa boba e algo que ele possa abusar e tirar vantagem. E ele deve pagar um preço (risos). É um filme onde as pessoas pagam o preço, de novo e de novo.

Cinematical: Quão deliberada é a integração de temas que estão em seus filmes? Por exemplo, você pensa “as pessoas não estão apreciando algumas coisas maravilhosas no mundo” e então constrói uma história ao redor disso? Ou você passa a escrever algo e o tema surge naturalmente?

Gilliam: Bem, muitas coisas surgem durante o processo. Eu não tinha uma história em mente quando comecei isso, era apenas um compêndio de coisas que eu fiz antes, independente de significarem algo ou não. E tínhamos este caminhão de outro tempo aparecendo em uma cidade moderna e ninguém prestando atenção. Isso é literalmente tudo o que tínhamos para começar e então nós começamos a construir personagens e impulsionando a transparência neles. Eu acho realmente engraçado que enquanto eu mais tento falar sobre como nós escrevemos isso eu fico sem saber. Eu não posso me lembrar (risos).

Cinematical: Você acha que para descobrir uma estrutura você tem que ter completa liberdade, ou você deve estruturar para si mesmo e então examinar ou explorar as coisas que são importantes para você?

Gilliam: Eu nunca tive um curso de roteiro ou aprendi em uma escola de cinema. Eu apenas faço - Nós estamos contando uma história que me interessa? Eles são pessoas interessantes? Onde eles estão mentindo? Você começa uma história com efetivamente um conto de fadas, dizendo que um cara fez um acordo com O Diabo. Sua filha é o pagamento. O Diabo chegou. Ok, isso é simples, agora nós estamos fugindo e correndo. Mas é engraçado – ok, vamos fazer um filme fora dessa estrutura e ficar muito tensos. Mas eu não quero fazer esse tipo de filme. Eu meio que gosto de rascunhar o espaço, ficar vagando, e então nós começamos a dizer, quem é esse Parnassus? E então nós inventamos um conto imenso sobre ele e seu monastério que talvez encaixe, talvez não. E então você descobre que a filha está vivendo nesse exótico, maravilhoso mundo, mas tudo o que ela quer é a normalidade – uma existência ordinária. Agora, isso é uma relação entre pai e filha. E pouco a pouco você chega a Anton, que está apaixonado por ela e ela não reconhece isso. E então você coloca o pássaro no ninho, Tony, e vê o que acontece. A história eventualmente se expõe enquanto trabalhamos nela, nós nunca temos uma linha de pensamento diretamente no começo. Nós apenas começamos a construir.

Cinematical: Você alude a isso, mas há também um tema no filme examinando o preço que você paga em relações que você tem como resultado de seguir sua visão. Se você vê isso no filme, você sente algum sendo de reconhecimento pessoal nessa ideia?

Gilliam: Tudo tem um preço. Nada é gratuito. Nós dizemos que a vida, é como, se você comprar o papel higiênico certo sua vida será completa. É tanta besteira dizer esse pensamento. Uma das coisas, como colocar o Sr. Nick na história, é como, ok, nós temos o imaginário. Mas então isso não pode seguir eternamente, então há uma escolha. Então há um caminho para você seguir e talvez achar satisfação ou algo mais significativo, e o outro caminho que é o caminho errado, e então é mais engraçado de dizer, ok, vamos colocar O Diabo lá e você paga o preço e é realmente brutal. E não é relativo, apenas está acabado. Isso é meio engraçado. Agora você tem Parnassus e O Diabo, que são igualmente semideuses fazendo o que eles fazem e... Eu gostaria de ter guardado anotações. Um dia, e isso é o tipo de coisa que eu deveria estar fazendo antes de conceder essas entrevistas, é voltar ao passado e olhar para o desenvolvimento do roteiro para poder responder essas perguntar apropriadamente. Mas parece que faz tanto tempo, o processo de fazer esse filme teve uma espécie de drenagem em tantos estágios que exteriorizar o outro final com um filme que nós ficamos realmente orgulhosos e pensamos que é apenas como, bem, eu não ligo realmente como chegamos lá. Nós chegamos lá! Pois houve três anos de cruéis soluções de problemas, mas é o filme que nós escrevemos, e lá está ele.

Eu gostaria de saber como falar de filmes de uma forma intelectual. Eu nunca aprenderei isso. Atualmente, eu estou aprendendo a fazer ainda menos do que eu sei. Você sabe o que é realmente engraçado nesse filme? Eu não consigo me lembrar como Charles [McKeown] e eu o escrevemos. Nós sentamos juntos, nós conversamos, nós viajamos, ele escreveu algumas coisas, eu escrevi outras, nós pegamos algumas coisas de fora, colocamos tudo junto e boom boom boom – pouco a pouco. Nós até estávamos escrevendo enquanto estávamos filmando, e enquanto eu estava filmando nós mudávamos coisas todo o tempo enquanto elas se desenvolviam. Você apenas sente seu caminho através disso.

Cinematical: Como a tecnologia permitiu ou alterou o design ou a facilitação de designs que você criou para o aspecto de seus filmes?

Gilliam: Francamente, é meio o que eu estava fazendo com o [Monty] Python, exceto que eu fazia com pedaços de papel, coisas recicladas, e agora eu posso fazer basicamente com um espaço tridimensional. Essa é a diferença. As ideias, algumas são mais fáceis de desenvolver com CG [gráficos de computador], e algumas são mais fáceis de se fazer com modelos, o modo como eu sempre fiz. Eu apenas os misturo. Eu não tenho alguma teoria sobre qualquer coisa. Você assiste Michel Gondry, ele joga e meio que tem idéias sobre qual é a textura de significação de algo e a importância daquilo, mas eu não. Eu sou apenas uma prostitura quando o assunto é conseguir o que quer que seja que eu quero feito. Quero dizer, eu tenho minha própria empresa de efeitos, então ao longo dos anos nós desenvolvemos de impressoras óticas e coisas simples para o trabalho digital. Quero dizer, eu venho fazendo trabalhos em CG digital por anos e ninguém reparou (risos). Então é por isso que, novamente, eu não penso sobre isso. É apenas “eu tenho aquela ferramenta” e isso resolverá tal problema. Eu pensei que nós poderíamos fazer este filme desenvolvendo uma quantia de sets bem limitados onde a ação pudesse acontecer, e então poderíamos preencher o fundo com CG e ficaria espetacular. Eram coisas bem claras, não haviam criaturas animadas – quero dizer, ok, uma cobra aparece, mas é muito básico. Provavelmente a coisa mais complicada foi o derretimento da água-viva. Nós não temos um Tiranossauro que deve parecer crível, ou algo como isso, então é bastante simples o que fizemos. É apenas a escolha de ideias e o design das mesmas, e também o fato que nós não damos as pessoas tempo suficiente de ver o truque. Nós estamos fora daquilo antes deles verem muito, e nós estamos em outro mundo no próximo momento.

Cinematical: Existem lições específicas que você aprendeu na exploração dessas ideias ou temas? Durante este filme ou em outros, você aprendeu coisas que você aplicou em trabalhos futuros ou até mesmo em sua vida? Ou é...

Gilliam: Apenas uma grande tolice. Eu faço filmes que apenas vão de acordo com certas coisas que eu estou interessado ou nervoso sobre ou o que seja, e eu chego lá e, oh, eu fiz um filme? Oh, isso é muito bom. Bem, eu gostei, e a maior parte das coisas saiu da forma com que planejamos. E então você recomeça. Eu nunca penso de forma consciente o que eu estou aprendendo ou deixando de aprender. Eu acredito que fico melhor em algumas coisas, em outras coisas eu provavelmente fico menos bom por talvez não saber muito. Eu nunca intelectualizo o que eu faço, eu não tenho teorias sobre o que estou fazendo. É como quando estávamos montando o filme, os editors com quem eu trabalhei, Leslie Walker em Contraponto e Os Irmãos Grimm ou Mick Audsley nesse, nós não temos teorias. Nós apenas colocamos uma coisa após a outra e essa coisa funciona melhor que aquela. É por isso que eu nunca serei capaz de ir até uma escola de cinema e ser um professor: eu não tenho qualquer teoria, eu apenas faço. Eu meio que sempre fiz isso em minha vida. Eu não intelectualizo, eu apenas aprendo – e então é apenas anos depois que eu me dou conta que eu aprendi muito, mas eu não posso dizer a você o que eu aprendi e como aprendi. Mas eu posso fazer (risos).

Cinematical: Falando sobre essa abordagem ser bastante intuitiva, você acha que isso o liberta ou o limita? Não em termos de desenvolvimento de ideias, mas em achar pessoas que irão investir para trazê-las a vida.

Gilliam: Veja, a coisa é que eu alcancei o estágio onde eu trabalhei o suficiente, filmes suficientes que as pessoas apenas saberão que eu fiz, então eles gostam ou não gostam e então eles vêm trabalhar ou não vêm trabalhar. É realmente estranho, quero dizer, da forma ruim e negligente que eu encaro a vida, as pessoas estão sempre me entregando seus cartões e dizendo “eu faço qualquer coisa para estar em seu filme”, e então eu perco tudo isso. E então chega a hora de fazer um filme e basicamente todo o momento é realmente casual. Quem está disponível agora? Quem entrará pela porta? Eles pegarão o trabalho. E o cara que seria bem melhor que tenta há anos trabalhar comigo não estava disponível no dia e não consegue o trabalho. Eu não sei porque eu fiquei assim, mas eu sou o Sr. Acaso.

Cinematical: Na Comic-Con você mencionou que “The Man From La Mancha” [adaptação de Don Quixote, de Miguel de Cervantes] pode ser a próxima coisa que você estará fazendo. Esse filme parece ter reacendido sua paixão por filmar. Você se sente mais incentivado dessa vez a seguir adiante do que se sentiu antes?

Gilliam: Não, eu estava muito mais incentivado antes. Eu estava muito mais convencido de que nós poderíamos fazer tudo e qualquer coisa e que seria fácil. Agora eu estou bem mais cauteloso, pois esse período em específico é bastante ruim para levantar dinheiro para qualquer coisa maior que dois milhões de dólares. Mas o que eu fiz foi pegar o roteiro de volta após sete anos, o roteiro que estava legalmente em poder do território francês, eu olhei para ele novamente e finalmente o li, e foi uma coisa boa ficar longe dele por tanto tempo. Eu olhei para ele e eu disse, ele apenas não funciona – não é bom o bastante. Estava bastante claro o que estava errado, e rapidamente eu e Tony [Grisoni] o reescrevemos, e muito foi baseado no que aconteceu comigo nos últimos sete anos. Eu apenas incorporei minha própria vida dentro da coisa. Sim, nós fizemos isso, e isso causou um boom e repentinamente nós tivemos um filme onde, vamos dizer, dois terços não mudaram, exceto que tais dois terços foram alterados em significado, por termos alterado o terceiro terço. Isso deixou tudo em uma diferente esfera, então aquilo ficou tão simples como isso ou tão complicado como isso. Eu penso que o problema pe que eu nunca aprenderei nada, eu apenas vivo e sobrevivo e apanho alguns truques em algum lugar ao longo do caminho (risos).

4 comentários:

  1. Kon, então era esta a surpresa? Esta era a série que começaria (e começou) por suas mãos no blog? Pergunta: é tu o tradutor? Como imagino que sim, devo dizer que achei foda, muito foda, pois agregará demais ao blog ter estas entrevistas excelentes que não estão disponíveis em português. Tu presta, com isto, um serviço à "liga dos cinéfilos brasileiros mononlíngues", da qual sou membro...hehehe

    Sobre a entrevista, achei excelente, o Gillian, que com seu cinema, fora do Phyton, sempre me causou estranhamento, não tendo despertado em mim, necessariamente, admiração, parece ser um cara bem objetivo, bem focado no trabalho. Estou muito curioso para assistir "O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus", que me parece, pelos trailers e opiniões de amigos, nas quais confio, incluindo aí a tua, um filme dotado de uma aura lúdica interessante, o que me agrada muito.

    Mais uma vez, parabéns pela iniciativa. É muito bom te ter de volta, produzindo e enriquecendo nosso blog.

    Abraços

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  2. Sim, esta é a nova série do The Tramps e sou eu quem traduzo as entrevistas. Acabei só traduzindo esta primeira e não cuidando muito do português, então você deve ter encontrado alguns errinhos aqui e ali. Para a próxima, do Woody Allen, evitarei isso ao máximo. ;)

    Também achei bacana a proposta por proporcionar justamente isso, essa possibilidade de conferir ótimas entrevistas que de outra forma não chegam até nós.

    Sexta que vem tem mais!
    Abraços!

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  3. Oi, Konzito!
    Gostaria de parabenizar sua iniciativa. Muito legal a entrevista e fiquei mais curisoso em assistir o filme.

    Abraçosss

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  4. Muito legal a entrevista!!
    Acho o Terry Gilliam fera! Se "Dr. Pernassus" tem traços de seus filmes anteriores(como andei lendo), sobretudo de "Brazil", deve ser no mínimo interessante.


    beijos
    Carol

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