segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Entrevista: David Fincher fala sobre "A Rede Social"


Entrevista realizada por David Jenkins (Time Out Sidney)
Tradução: Conrado Heoli

David Fincher atingiu algo com "A Rede Social" - e ele sabe disso. Seu vivaz estudo sobre a gênese do Facebook funciona como uma versão pontocom de O Grande Gatsby, com diálogos rápidos que remetem às comédias screwball dos anos 40. É um filme muito diferente daquilo que poderíamos esperar vindo do homem por trás de "Clube da Luta", "O Curioso Caso de Benjamin Button" e "Zodíaco", embora ainda seja centrado em um personagem - o milionário miserável co-fundador do Facebook, Mark Zuckenberg - que, ao contrário de seus maiores esforços, é incapaz de encontrar a felicidade através da construção de conexões humanas. O Time Out encontrou com o diretor, de 48 anos, em Paris, onde ele se apresentou com um bom humor enquanto fazia uma pausa antes das filmagens de "Os Homens que não Amavam as Mulheres", quando irá para o norte da Suécia.

Time Out Sidney: Por que fazer um filme sobre Mark Zuckerberg?
David Fincher: Ele é facinante, ele é vulnerável, ele é esperto e ele é incrivelmente intolerante. Ninguém chegou até mim e disse "Você gosta de Mark Zuckerberg?". Eles disseram "Nós temos um roteiro realmente ótimo, você gostaria de ler?". Mas este é Zuckerberg enquanto escrito por Aaron Sorkin, pois eu preciso afirmar que não o conheci, apenas o observei à distância.

TOS: Você se identifica com ele?
DF: Eu me identifico com quase todos os personagens do filme. Enquanto diretor, eu não sinto que devo me identificar com os meus personagens como um requisito para se fazer um filme.

TOS: Você acha importante que Zuckerberg não seja um personagem fácil de se gostar rapidamente?
DF: Olha, eu não sou um assistente de desenvolvimento que é serviçal do estúdio: muitas vezes as pessoas gostam de personagens que precisam ser amados ou admirados. Eu gosto desses personagens. Eu gosto de Jake LaMotta. Eu gosto de Travis Bicke. Eu até gosto de Rupert Pupkin. Eu gosto de personagens que não mudam, que não aprendem com seus erros. Charles Foster Kane era um garoto mimado de oito anos com um trenó, então ele se tornou um homem mimado de 76 anos que cresceu em seus últimos momentos na Terra. Mas ele não mudou. Se eu estou tentando separar você da sua carteira, então eu tenho que me preocupar se você irá gostar do que está vendo? Eu não faço isso. Eu gosto de pessoas que pensam "Foda-se!".

TOS: Você tentou fazer contato com Mark Zuckerberg?
DF: Quando me envolvi, o produtor Scott Rudin teve sua última discussão oficial com o Facebook e seus sócios. Eles tinham uma dúzia de requerimentos para a participação deles, e as duas primeiras eram: o filme não pode se passar em Harvard e você não pode chamar ele de Facebook. Então, Rudin, que não é um cara burro, apenas disse que aquelas discussões não precisariam ir adiante: nós faremos um filme sobre o processo, enquanto as deposições forem todas públicas e nós podemos juntar deles o drama que precisamos para fazer nosso filme.

TOS: Algum representante do Facebook foi convidado para ver o filme finalizado?
DF: Houve um contingente do Facebook Legal e do Facebook Corporate Communications que viu o filme, mas eu não sei as especificidades daquilo e eu não estive na sessão.

TOS: O que eles acharam?
DF: Novamente, eu não estive lá, mas foi relatado para mim pela pessoa responsável pela entrega do filme nessa sessão que eles estavam... apropriadamente chocados.

TOS: O filme foi lançado através de uma campanha de marketing bastante esperta.
DF: Sim, mas o problema com a campanha de divulgação foi que você não pode apenas dizer "Punk, gênio, bilionário" já que você está usando aquele flash narcisista da MTV para pegar crianças interessadas. Eu quis incluir "Judas", ou "traidor", porque você deve ter uma palavra ruim lá. "Punk, gênio, bilionário" é basicamente um boquete gigante.

TOS: Os diálogos do início do filme são extremamente rápidos.
DF: A primeira cena de um filme deve ensinar a audiência como o assistir. Eu tinha um contrato para 2 horas e 19 minutos. Eu tive um corte final de 2 horas e 19 minutos. Enquanto eu pudesse fazer o filme nesse tempo, eu poderia fazer qualquer merda que quisesse. Eu segurei esse roteiro de 166 páginas em minhas mãos, então peguei as primeiras nove páginas, entreguei para Aaron Sorkin e disse: "fale". Ele fez isso e foi engraçado, isso iria prender as pessoas, e você sabe o quê? Não irá começar com a tela preta como está escrito. Eles vão começar a falar sobre o maldito logo da Columbia Pictures! Se eu pudesse colocar as falas iniciais e diálogos sobre um trailer, eu teria feito isso. É um momento "cala-esta-maldita-boca": preste atenção, ou você perderá um monte.

TOS: Uma coisa que você disse sobre "A Rede Social" é que você temeu que as pessoas o vissem como um filme sem muito valor.
DF: É irrefletido, com certeza, mas nós estamos falando sobre um monte de grandes noções. Mas sim, quando eu vi o primeiro corte, eu pensei que era um pouco sem valor. Para mim, era uma interessante pílula amarga, e você precisaria de muitas colheres cheias de açúcar para o engolir. Mas eu não quis o açúcar para atrapalhar a grande tristeza no final do filme. Com "Benjamin Button", a maior preocupação era que ele fosse sentimental demais. Eu sinto que esta é a real versão deste filme. Mas eu gosto de me preocupar. Eu estive preocupado que "Seven" e "Clube da Luta" não fossem violentos o suficiente, então...

TOS: O filme está atraindo referências com diversos grandes filmes e livros, assim como Macbeth, O Grande Gatsby, Cidadão Kane. Você estava considerando alguma dessas referências com as quais você foi elogiado?
DF: Alguém me perguntou qual era minha intenção com este filme, e eu disse - muito alegremente - que eu queria fazer o Cidadão Kane dos filmes de John Hughes. Nós estamos falando de um filme sobre uma idade crescente que é também o reflexo dos últimos quatro anos de uma vida de 26 anos. Esta é a comicidade da era da informação. Algo que eu penso é que um dia na vida de uma baleia azul é diferente de um dia na vida de uma mosca.

TOS: Este é seu filme mais falante. Como um diretor reconhecido por seu senso visual distinto, você se divertiu esculpindo palavras e performances?
DF: Houveram duas coisas sobre as quais eu fui responsável. Uma foi estar ou não apresentando um comportamento crível, o que é totalmente subjetivo. A outra coisa que eu tive era a posição da câmera: de onde eu vou olhar para esta pessoa? Algumas pessoas pensam que dirigir é como O Grande Circo: sim, 90% de dirigir é pegar o dinheiro e escolher o equipamento adequado, as pessoas corretas e os departamentos certos para criar o sentimento adequado dentro do contexto correto. No cinema, nós esculpimos o tempo, esculpimos o comportamento e esculpimos a luz. O público apenas vê o que mostramos a ele e nesse momento eu controlo tudo o que eles vêem e ouvem. Eu estou torcendo para que esses elementos se traduzam em sentimento. Foi Louis B. Mayer que disse "O genial do ofício do cinema é que a única coisa que o freguês recebe é uma memória.". É isso o que dirigir é.


Leia a análise crítica feita por Marcelo Müller para o filme "A Rede Social" clicando aqui.

2 comentários:

  1. Olá Kon,

    Primeiro, parabéns pela tradução, ficou excelente. A entrevista é muito, mas muito boa, e nela o Fincher expressa alguns pontos de vista acerca do seu pensamento e deste filme em especial, que enriqueceram minha visão sobre seu trabalho, do qual sou admirador confesso. Mesmo que uma parcela da crítica coloque em Fincher um selo de "enganação bem maquiada", acredito que ele seja um dos mais interessantes cineastas americanos em atividade. Este "A Rede Social" é mais uma prova de que o homem sabe das coisas.

    Obrigado Kon por disponibilizar aqui um material tão elucidativo quanto este.

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  2. Olá, Kon!
    Muito obrigado pela tradução.

    Abraçosssss

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