sábado, 4 de dezembro de 2010

A Rede Social e o isolamento entre milhões


A Rede Social é um filme ágil. A analogia com os tempos internéticos em que vivemos, onde somos constantemente obrigados a assimilar o maior número possível de informações, num espaço cada vez mais reduzido de tempo, fica explícita pela forma como o diretor David Fincher conduz a narrativa, que se propõe a esmiuçar os controversos bastidores da gênese da maior rede social do mundo, e uma das empresas que mais se valoriza: o Facebook. Marc Zuckerberg era estudante de Harvard quando conheceu o brasileiro Eduardo Saverin e os gêmeos que queriam fazer um aplicativo social para unir virtualmente os estudantes da faculdade. Entre tentativas frustradas de se tornar popular, de fazer parte de final clubs, de sociedades excludentes, de irmandades hermeticamente fechadas que lhe conferissem status, Zuckerberg, um gênio, se aproveitou de algumas ideias, um que outro lance de sorte, a iluminação vinda de alguém, e juntou com sua capacidade incrível para programação, ainda contando com uma pitada de falta de escrúpulos e alienação, para acertar em cheio e se transformar no mais jovem bilionário do mundo..

Dizem alguns que A Rede Social é o Cidadão Kane da geração internet. Não é exagerado, até por que ambos os filmes versam sobre poderosas e controversas figuras que venceram (ou seria, perderam?) capitalizando para si importantes veículos, cada qual referente à sua época: no caso de Kane, a imprensa escrita, no caso de Zuckerberg, a internet. Pode-se então, dizer que, pelo menos no que tange ao entorno social, Zuckerberg é sim o nosso contemporâneo equivalente a Charles Foster Kane. Sua persona é vista com uma complexidade que enche a nós, espectadores, de dúvidas quanto a quantidade de vilania que existe neste solitário, e quanto de problemático existe na vida deste rapaz que passa por cima de leis e amizades, em busca de algo, algo que, aliás, todos buscamos: aceitação.

A forma como Fincher desvela personagens é um dos muitos acertos do filme. Tanto Zuckerberg como a maioria dos envolvidos na gestação e nascimento do Facebook, são vistos sob diversos ângulos, que nos permitem, senão simpatia total, uma reflexão a posteriori sobre suas reais contribuições para o todo. Sean Parker (interpretado com uma surpreendente segurança pelo cantor Justin Timberlake) é um dos pivôs da separação dos amigos Saverin e Zuckerberg, mas onde estaria o Facebook não fosse sua visão de negócios, meio inconsequente, meio arrojada? Saverin fez mesmo tudo que podia, se esforçou como deveria? Os gêmeos atléticos e com futuro garantido pela frente, mereciam mesmo crédito, e dinheiro, por suscitarem em Zuckerberg, vendo nele alguém que os pudesse ajudar, por conta do sucesso de seu aplicativo de comparação de mulheres, a ideia de uma rede social? Zuckerberg é um alienado, um carente, um canalha, arrogante, autista, meio maluco, ou todas as alternativas acima?

Além de habilidoso no trato de seus personagens, A Rede Social tem linguagem visual inventiva (a utilização de pouca profundidade de campo reforça o isolamento das figuras dramáticas, mesmo quando lidam com milhares de seguidores no reino virtual), ritmo acelerado (desaconselhado para pessoas que não conseguem absorver muita informação em pouco tempo), e uma opção pela alternância do tempo (que mostra as audiências de julgamento e conciliação entre as partes em litígio) que reforça o caráter multifacetado dos personagens que foram protagonistas deste imbróglio. Dizer que é um dos grandes filmes americanos do ano não seria exagero, nem mesmo que é um dos favoritos à algumas categorias em premiações importantes, como o Oscar (eu apostaria em Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante para Andrew Garfield, outra gratíssima surpresa, e, por que não, Melhor Ator para Jesse Eisenberg).

David Fincher conseguiu mais uma vez, acertou em cheio, não se rendendo às tentações de uma história que, em mãos menos habilidosas, poderia render um filme apenas sobre intrigas no mundo corporativo, mas que nas dele se transformou em algo maior, com muitas linhas de abrangência e significação. Por fim, se Zuckerberg é nosso Kane, e no personagem de Welles temos o mistério de Rosebud, que se revela depois como sendo uma lembrança de infância que afetivamente o persegue, em A Rede Social o “rosebud” de Zuckerberg é mais vivo, mais independente, mas ainda assim ligado a algo que ele perdeu, ou que nunca conseguiu conquistar. Se a Kane não restam escolhas, a Zuckerberg falta, no final, coragem para testar a aceitação de quem se tornou, não só fardo emocional, mas exemplo de que nem todos nós somos suscetíveis a fama, dinheiro ou qualquer outro fator de deslumbramento. Filmaço.

3 comentários:

  1. Excelente! Depois de quarta volto, releio, comento e, muito provavelmente, concordo com tudo que li. hehehe

    Abraçosssssss Celo!
    Obrigado pelo texto!

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  2. Olá, Celo!
    Belo texto e mais uma filme para a lista, já enorme.

    Abraçossss

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  3. Seu texto atrai,nos faz pensar sobre "rede social" à partir de outras bases, que não só(no meu caso)uma boa fonte de informações sobre a origem do Face Book.
    Não gostei muito do filme, nem tampouco das atuações que variam de medianas à fracas.

    Se eu não tivesse visto o filme ficaria encantada pelo seu texto e até poderia assistir com outros olhos.
    Mas agora, ainda mais sabendo que "rede social" concorre a melhor filme é difícil engolir!
    E pensar que está no páreo junto com "O discurso do rei" "Cisne Negro", "Winter's Bone" e outros, não dá!
    Em linhas gerais nunca diria que "rede social" seria páreo pra Oscar!
    De qualquer forma, seu texto é mto bacana e vc faz do limão limonada!! hehe Por isso deixa o leitor com água na boca pra ver o tal filme que vem ganhando mundo!
    beijos

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