quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Entrevista: Tom Hooper fala sobre "O Discurso do Rei"

Entrevista concedida à jornalista norte-americana Katey Rich, do site Cinema Blend, e traduzida por Conrado Heoli para o The Tramps. A entrevista foi realizada em 23 de outubro de 2010, por tanto é interessante atentar ao fato de que todo o burburinho ao redor do filme e diretor, assim como sobre os vindouros prêmios, ainda não existiam.

Tom Hooper provou recentemente para o público que ele tem uma queda por contar narrativas históricas com ternura, humor e humanismo, dirigindo a minissérie para a HBO John Adams, indicada à 13 prêmios Emmy e aclamada mundialmente, mesmo por pessoas que disseram ter visto o suficiente sobre nossos pais fundadores. Agora ele está de volta dentro de sua nativa Inglaterra fazendo o mesmo como o diretor de O Discurso do Rei, um filme sobre o Rei George VI e seus problemas com o impedimento de locução que o acometia, pouco antes de seu pais entrar na II Guerra Mundial. Parece limitado, sentimental e demasiadamente sério, mas O Discurso do Rei é o oposto de tudo isso: uma dinâmica e frequentemente emocionante história sobre amizade e dever e sobre um homem que deveria ser ordinário exceto pelas extraordinárias circunstâncias que o tornaram Rei. George foi forçado a tomar o trono quando seu irmão David (interpretado por Guy Pearce no filme) abdicou para poder se casar com Wallis Simpson, norte-americana divorciada duas vezes. A filha mais velha de George, Elizabeth, viria a sucedê-lo como Rainha após a sua morte em 1952.


Cinema Blend: Como você acessa narrativas históricas como esta de uma forma com que elas não se pareçam com história?
Tom Hopper: Eu não as vejo como história. Para mim, esta narrativa é muito atual. O roteirista David Seidler nasceu em 1937, ele ainda se lembra dos discursos durante a guerra. David foi gago durante a infância e ele costumava ouvir ao Rei George VI no rádio para se assegurar de que poderia superar seu problema. Eu nunca pensei que eles não eram seres humanos. Eu não entendo que há uma forma de olhar para eles distintamente de seres humanos. Quando eu fiz John Adams estava ciente de que crianças americanas imaginavam esses pais fundadores em pedestais e achavam difícil pensar neles como carne e sangue. Como eu não sou americano eu tive a liberdade de não ser inibido por isso.

CB: Você esteve mais inibido contando a história do Rei, então?
TH: Não, porque nós ainda não conhecemos muito sobre ele. E em alguns aspectos ele ainda é um pouco negligenciado pela consciência pública. Eu certamente penso com algumas dúvidas de que ele foi gago ou não, mas certamente ninguém sabe da história do terapeuta de discursos. Eu pareço estar atraído em personagens icônicos e o que eles refletem para nossas culturas. Não é por que eu fiz o filme, mas eu certamente penso que é interessante que o inglês está em conflito sobre a monarquia. Por um lado eles são reverenciados e amados, eles são como uma novela nacional. Na outra, eles transmitem uma ideia de santificação e de diferença de classes e privilégio em uma moderna e progressiva democracia. Eu acho que o que é tão fascinante sobre o enredo [em O Discurso do Rei] é que ele ridiculariza qualquer noção simplista de privilégio. A história do George VI propriamente compreendida não é sobre privilégio; sua ascensão foi tão assustadora que ele teve a gagueira como resultado. Quando ele se tornou rei, claramente aquilo foi um pesadelo por causa da gagueira, pela chegada do rádio como uma tecnologia. Então se ele não é privilegiado, a monarquia deve mudar para obter resultados. E você compreende a Rainha atual se você compreende seu pai, aquele senso de dever e aquele senso que é o oposto de uma aproximação hedonista ao poder. É muito sobre sua ideia de dever, que eu penso que nós particularmente não temos mais em nossa cultura.

CB: Como você escolheu Colin Firth para interpreter George VI?
TH: Quando eu encontrei Colin pela primeira vez, minhas restrições eram para que ele fosse 10 anos mais velho. E Colin é um jovem forte, enquanto o verdadeiro rei era menor e tinha uma aparência mais fraca. Quanto mais eu pensava sobre o assunto e passava mais tempo com Colin, pensava que a similaridade espiritual era mais importante que o quesito físico. Colin é dedicado e extremamente gentil, ele tem uma humildade tremenda. E o verdadeiro rei, pela minha pesquisa, pareceu ser assim. Não é surpresa que Colin não é escalado para um herói de ação cheio de testosterona. Ele não ganha o papel do cara mal. Não está em seu DNA. O lado físico, de uma forma, está além disso. Graças à Tom Ford ele esteve o mais esguio como nunca parecera, e então eu trabalhei a sua linguagem corporal. Nós sentávamos em uma cadeira e ele se encolheria, encurvado para dentro de si mesmo. Quando ele ficava de pé ele se mantinha de uma forma estranha. Eu tentei tirar dele confiança física e postura. O dia mais extraordinário para mim foi o primeiro dia, o primeiro dia em que eles se conhecem, naquela longa cena de 10 minutos que também fica tão bem no teatro. Nós tivemos um ensaio de três semanas, o que é incrivelmente intenso. Ver Colin e Geoffrey habitando seus personagens para o primeiro dia de filmagem. Há sempre aquela dúvida no ar, “ele é um dos maiores ou ele apenas é muito bom?”. Naquele dia eu soube que ele era um dos maiores.

CB: E sobre Helena Bonham Carter?
TH: Eu me apaixonei por Helena em Uma Janela para o Amor quando eu era adolescente. Ela é uma grande atriz clássica, e eu achava triste que ela não tivesse feito um papel clássico por tanto tempo. Eu pensava que as pessoas estariam famintas para verem ela fazer isso novamente. Eu cresci com uma foto dela em um cartaz na minha parede em Uma Janela para o Amor, ainda que eu deva admitir que a foto da câmera platinum Panavision, que estava no mesmo pôster, era muito maior que ela. E a pesquisa dela era incrível. Cada vez em que eu estive na casa dela e de Tim [Burton] havia outro historiador real jantando com ela. O que é extraordinário é que em dois minutos você a aceita como a Rainha Mãe.

CB: E o que adicionou Geoffrey Rush ao elenco?
TH: É maravilhoso trabalhar com ele, pois ele tem este extraordinário entusiasmo. Ele tem a energia de uma criança de cinco anos. Você trabalha com alguém que é completamente incansável na sua busca por excelência. Nós tivemos um ensaio de três semanas parcialmente por que o Geoffrey me ligou e disse, “Eu não estou fazendo nada, por que nós não começamos?”. Enquanto isso o agente dele o instruía a vir apenas uma semana antes. Ele queria começar. Era interessante trabalhar com esses dois homens, porque Colin é muito engraçado mas ele é quieto e reservado, e Geoffrey tem este grande dinamismo. Tinha muita energia fluindo. Geoffrey esteve lá por quarto semanas e depois ele partiu para fazer uma peça, e Colin estava como se estivesse de luto. Foi muito doce. Helena ficou com ciúmes, “Oh, você está triste porque Geoffrey foi embora.”. Ela fazia piadas dizendo que era uma história de amor e que não era com ela.

CB: Como você trabalhou com a jovem Elizabeth, e criou aqueles pequenos lembretes de sua relação com seu pai, e sua iniciação como Rainha?
TH: Se em qualquer coisa eu demorei um pouco mais a editar, eu testei o filme e particularmente os americanos não fizeram a conexão, não se deram conta de que era a rainha. Eu penso que é uma vergonha se você não se dá conta de que é a rainha, e eu penso que é uma vergonha se você não se dá conta de que aquele é o pai dela, porque há algo de interessante em ser lembrado que aquele é o pai dela. Eu apenas me certifiquei de que a câmera deu mais status à ela e deu às pessoas tal lembrete.

CB: Nós devemos ter sentimentos negativos em relação à Wallis Simpson no final do filme?
TH: Eu quis conectar a narrativa com o ponto de vista dos irmãos mais novos. Se você é Elizabeth e Bertie, o que David fez foi extremamente egoísta. E nós sabemos dos livros de história que ele nunca se sentou para falar sobre sua decisão de abdicar em favor do progresso. Eu quis conectar com a narrativa o ponto de vista deles. Ambos os homens tiveram este relacionamento com mulheres que os dominaram. Com a Rainha Mãe eu penso que a dominação era benigna, enquanto com Wallis tinha um sabor um pouco mais sombrio. Guy Pearce e eu pensamos que havia um forte indicativo na noção do ciúme sexual. O grande mistério é o motivo pelo qual ele teve de se casar com ela. Eu sei que soa estranho, mas Edward VII, seu avô, teve um grande envolvimento com amantes. Então você meio que imagina, ninguém indicou que Wallis era mantida como amante durante toda a vida dele. A pista é que durante o processo de abdicação Wallis disse, “Vamos terminar, é loucura você fazer isto”, e isso o enraiveceu e fez com que ele ficasse mais determinado a se casar com ela. Esta é a minha própria leitura do caso, mas eu penso naquela famosa foto deles já envelhecidos, e eles parecem tão tristes.

CB: A cinematografia, a forma com que a câmera é colocada e as cores, há algo de interessante que acontece e eu quase não pude me dar conta. A forma com que os personagens são marcados independentemente do enquadramento soa menos limitada e conservadora.
TH: Bom, parcialmente é porque eu escolhi filmar os closes nas cenas da sala de atendimento e com o Bertie com lentes relativamente fechadas. Em Hollywood normalmente você filma closes em lentes grandes. Colocar a câmera em close é meio que brutal para o ator. É algo bastante forense, não há para onde ir. Você sente que é uma fotografia muito bruta. Você não deve usar lentes grandes, não é romântico, não tem o foco leve. Eu fiz por ter pensado que o rosto de Colin poderia ser emoldurado em relação ao negativo e Geoffrey poderia ser emoldurado em relação à fundos mais domésticos. Na primeira cena da sala de atendimento, Colin está de pé contra uma parece detonada, ele está do lado inferior-esquerdo e a parede é dominante. Sua face dialoga com um espaço negativo no enquadramento e isso acontece porque eu quis falar sobre abstenção e silêncio. Se você sofre de gagueira é como se você habitasse essas dolorosas abstenções e silêncios. Isso pode ser uma metáfora visual para como é ser gago. Mas quando você se vira para Geoffrey, ele tem a lareira, as cadeiras, as telas e as fotos, e tudo é aconchegante. Filmar de forma fechada também constantemente captura o ambiente para o enquadramento. Há provavelmente uma modernidade nisso que me agrada. Eu sempre estou tentando encontrar maneiras de fazer com que o filme pareça moderno para as pessoas. Em John Adams há muitas coisas, como a fotografia com câmera na mão e a dureza da fotografia. Eu quis que o resultado não soasse como muito reverencial.

CB: Mas em “O Discurso do Rei” o enquadramento é também muito formal, repleto de enquadramentos bem compostos. Isto é reflexão do elemento da realeza?
TH: Você está certa, há uma restrição neles. Existem várias intenções em minha direção. Eu mesmo enquadro as coisas e existem escolhas muito fortes à serem feitas. Eu gostei de colocar Colin em enquadramentos que pareciam decisivos pois é ele quem está nesta caixa.

CB: Quais são seus pensamentos sobre a recomendação R** da MPAA*?
TH: Eu penso que é realmente bizarra. Você meio que pensa que “um ‘foda-se’ significa PG-13***, dois ‘foda-se’ significa um R”. É um argumento em que você pode quantificar a linguagem mas não pode quantificar a violência, e eu considero isso altamente suspeito. A linguagem é altamente contextual e aqui nós temos a palavra começada com “f” sendo usada em terapia de locução. É utilizada puramente como um mecanismo para libertar alguém de uma gagueira. David Seidler, o escritor, encontrou esta técnica quando criança, nos anos 40. Você pensa, tudo bem, estava tudo bem em 1940 para uma criança, possivelmente estará ok em 2010.



* MPAA: Motion Picture Association of America, órgão censor responsável pela classificação indicativa de todos os filmes lançados comercialmente nos Estados Unidos.
** R: classificação que permite a entrada de menores de 17 anos apenas se estiverem acompanhados por seus pais ou tutores.
*** PG-13: classificação que indica que os pais devem ficar atentos, pois o filme possui material inadequadro para crianças menores de 13 anos.

3 comentários:

  1. Olá Kon,

    Valeu por mais esta tradução, que está ótima por sinal.
    É interessante mesmo ler esta entrevista do Tom Hooper antes de todo burburinho em torno do nome dele e de seu filme para a premiação de domingo do Oscar. Será que ele ainda está humilde assim como aqui lemos?

    Abraços

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  2. Ótima pergunta Marcelo! Eu arriscaria dizer que não rs rs

    Bacana a entrevista e os argumentos deles qto a escalação dos atores!!

    beijos

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  3. Olá, Kon!
    Muito boa a entrevista, pena que atenda mais à curiosidade de quem já assistiu ao "O Discurso do Rei".

    Abraçossss

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