sábado, 18 de fevereiro de 2012

O notável Estranho sem Nome


Clint Eastwod tornou-se célebre homem de western por vias tortas, longe da mitologia do cowboy americano. Sob a égide do diretor italiano Sérgio Leone, filmando em descampados espanhois, construiu a figura emblemática do homem sem nome, afamado pela trilogia dos dólares. Ensimesmado, lacônico e de gatilho insuperável, este pistoleiro - assemelhado a um ronin do Japão feudal - encabeçou e até hoje simboliza com perfeição o ideário do chamado Spaghetti Western, que desmontou o velho oeste e deu cores ainda mais terrosas a este gênero americano por excelência. Clint ressuscitou o personagem em O Estranho sem Nome, faroeste de claras influências leônicas, sua segunda experiência como cineasta.

De início saído do mormaço desértico, o estranho vê-se acossado na pequena Lago por três homens que implicam com seu estrangeirismo, estes que logo preencherão os caixões expostos em frente à funerária local. Não demora, ele é convidado a defender a cidade de outros três bandoleiros vingativos prestes a serem soltos da cadeia. Dotado de plenos poderes, o “sem nome” faz de gato sapato com os locais, nomeando um anão como xerife e prefeito, desalojando todos os hóspedes de um hotel, flertando (e chegando às vias de fato) abertamente com mulheres comprometidas, trazendo os parias à mesa, em suma, deixando os próceres da comunidade cada vez mais irritados. Não bastasse este movimento, surgem alguns flashbacks que dão relevo à falência moral de Lago e deflagram certo mistério, algo de sobrenatural. Clint Eastwood sempre teve culhões para encarar o risco.

O que move O Estranho sem Nome é a espera repleta de observações ferinas que, de alguma maneira, encontram eco na sociedade americana e no clássico Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. Nivelar bandidos e cidadãos acima de qualquer suspeita parece a missão prima do estranho sem nome, aqui uma espécie de anjo vingador que transforma Lago num encarnado e ardente inferno, onde todos devem se purificar pela dor. Conduzido de maneira sóbria, sem maneirismos e já conectado ao ideário que Clint Eastwood construiria como cineasta ao longo dos anos, O Estranho sem Nome traz mais que o oeste desmistificado, pois alinha discussões éticas atemporais que se descolam da tela e da época retratada pelo filme. Obra de brilho próprio, sem dúvida reverente (não prisioneira) ao Spaghetti Western, é digna homenagem a este macarrônico gênero que gestou tantas figuras icônicas, sendo provavelmente a principal delas, justamente este homem inominado construído por Eastwood e Leone, então reencarnado nos primórdios da hoje celebrada carreira atrás das câmeras do bom e velho Clint.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Bom, até o Didi Mocó foi influenciado a criar um personagem sem nome:

    http://www.youtube.com/watch?v=EJNkcZ5Kx-w

    Abraçossssss

    ResponderExcluir
  2. Celo!
    A dimensão do tal homem sem nome em um universo tão rico e cheio de nuances me impressiona. A parceria entre Leone e Eastwood é das mais importantes dentro da história do cinema, e serviu de escola para a hoje muito relevante carreira do segundo.

    Espero assistir logo esta outra interessante indicação sua, Celo!
    Um abraço,
    Conrado

    ResponderExcluir