quinta-feira, 4 de julho de 2013

Barbara


A médica recém-chegada à pequena província da Alemanha Oriental em plenos anos 1980 traz estampado no semblante o clima opressor da situação político-social que dividiu o território germânico em dois. Ela é a protagonista de Barbara, não por acaso filme com seu nome, pois totalmente comprometido em perscrutá-la. A acanhada comunidade que a recebe parece saber de sua prisão em Berlim, capital de onde possivelmente tentou debandar para o lado ocidental. Por isso, Barbara é constantemente vigiada, revistada, açoitada por teimosos em inibir a capacidade da discordância, do pensar diferente. 

Quem mais bem lhe acolhe é o doutor André, logo interessado pela médica competente e atenciosa no trato dos pacientes, porém de modos pétreos (quando não bruscos) com ele, justo o único disposto a reduzir suas dificuldades de adaptação. De pouco em pouco a relação vai se estreitando, até mesmo porque a Barbara não restam pontos de apoio, mesmo que esporadicamente tenha encontros furtivos com o amor a ela alinhado ideologicamente.

Sóbrio, o filme dirigido por Christian Petzold aproveita exemplo de outrora para mostrar como ditames verticais, ou seja, vindos de cima para baixo, afetam a todos, de qualquer lado ou facção. Mas, é bom dizer, essa exumação do pretérito serve de tempero à trajetória da figura central, não tal estandarte deste ou daquele lado. Claro, aqui e acolá surgem observações que denotam posicionamento, mas nada para além do interesse no humano. 

Tudo na trama de Barbara atravessa a protagonista brilhantemente interpretada por Nina Hoss, que tateia o novo ambiente já pensando fugir. Há sensibilidade para não fazer dessa mulher um tipo imune às influências do meio, às necessidades de indivíduos que, independente das convicções políticas, precisam de auxílio.  A aridez externa, própria aos escaldados, convive com a ternura de alguém propenso à renúncia para o bem alheio. 

As cenas de Barbara se deslocando entre o hospital e o apartamento onde vive, nas quais ventanias balançam violentamente as árvores do caminho, aludem à agitação interna da personagem. Outro detalhe definidor é sua sinceridade no atendimento aos pacientes, pois lhes alerta sobre dores terríveis, logo finitas, enquanto seus colegas teimam em “maquiar” tormentos vindouros, achando melhor assim a quem sofre. Enquanto cinema, Barbara é seco e minimalista, mas não vejo como poderia ser acusado de frio ou distanciado, uma vez que mostra a alma e o desejo das pessoas aflorando a duras penas nas frestas do medo e da vigilância constante.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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