domingo, 9 de fevereiro de 2014

CINEMA A DOIS | DENYS ARCAND – Jesus de Montreal (1989)


Tive a impressão de Jesus de Montreal ser um dos filmes mais dramáticos de Denys Arcand, isso não só por que Daniel Coulombe, o protagonista, interpreta Jesus durante o martírio da Paixão, mas também por conta dos componentes não teatrais que reforçam essa dramaticidade fora da encenação propriamente dita. Embora o Jesus apresentado por Arcand seja moderno, dotado de características bastante humanas, e o próprio discurso questione os valores religiosos na atualidade, ainda assim o filme carrega a doutrina cristã por excelência e nos convoca a refletir sobre a perda da fé na humanidade, a compaixão, a solidariedade etc.

Além da renovação da figura de Jesus e a defesa dos valores religiosos, Denys Arcand reafirma em Jesus de Montreal uma crítica ao consumismo, à redução do feminino a objeto de desejo e nada mais, entre outros posicionamentos mais ou menos evidentes. A meu ver, mesmo sem grandes atuações, exceção feita ao intérprete de Daniel, o filme se desenvolve de maneira agradável, ainda que sem grandes surpresas. Os atores cumprem com eficiência seus papéis, mas nesse quesito não há muito destaque. No entanto, o bom roteiro funciona como base à direção sempre competente de Denys Arcand.  Ao que se propõe, o filme funciona e, principalmente, suas ideias estão em total consonância com o que vivemos fora dele, na vida real.
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Para modernizar a Paixão de Cristo é preciso adicionar humanidade ao mito. Jesus de Montreal, segundo longa de Denys Arcand, confronta o dogma, mas não a figura central. Nele, um grupo de atores lida com as restrições da diocese para fazer valer uma visão artística repleta de contradições, dúvidas, preocupações existenciais, sem, contudo, macular a imagem de Cristo. Na verdade, escandalizada fica a Igreja quando contradita em qualquer nível, cega diante do trabalho que, de alguma maneira, renova os ideais apregoados pelo profeta, o dito filho de Deus. Portanto, no filme se questionam os fatos, os caminhos, mas se reafirma positivamente a finalidade da doutrina cristã (acredite-se nela ou não).

Jesus de Montreal poderia apelar menos às obviedades no que diz respeito à influência da trajetória do messias na vida dos atores. A expulsão dos vendilhões do tempo ganha roupagem contemporânea num confronto com a publicidade e a tentação do demônio surge nas palavras sedutoras do advogado que quer transformar arte em mercadoria, por exemplo. Nesse tocante, mais eficiente é a alusão final à ressureição por meio dos “milagres” promovidos pelo homem comum. Morte vira vida, não para si, mas ao outro. É como diz um dos atores: “Afinal, a vida é bem simples, só parece insuportável quando pensa unicamente em você mesmo. Se esquecer-se de você, e se perguntar como ajudar os demais, a vida se faz perfeitamente simples.” Jesus de Montreal peca por excesso, mas não por omissão.


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

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