quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O Homem de Aço


Esqueçamos brevemente que O Homem de Aço é um dos longas mais caros da história, com custo de produção estimado em US$ 225 milhões. Da mesma maneira, não veem ao caso as projeções de bilheteria e outras questões aliadas ao marketing. A nova aventura do super-herói mais conhecido do planeta é a tentativa da DC Comics de emplacar outro sucesso (se possível de público e crítica como na trilogia Batman), claro, dessa maneira fazendo frente à concorrência da Marvel. Dito isso, atenhamo-nos ao cinema, àquilo que merece atenção para além dos números. Grande ou pequeno, um filme merece ser analisado por suas características cinematográficas, simplesmente porque bilheterias fartas ou parcas não necessariamente apontam para direções qualitativas.

Baseado no argumento de Christopher Nolan e David S. Goyer, o diretor Zack Snyder tomou para si o desafio de moldar Superman aos novos tempos. Não há como negar: O Homem de Aço é reboot, tentativa de ressuscitar uma franquia. Vemos o planeta Krypton morrer enquanto forças militares chefiadas por Zod (Michael Shannon) apelam ao golpe e o cientista Jor-El (Russell Crowe) deposita em seu filho Kal-El (Henry Cavill) a esperança de toda raça. Estamos carecas de conhecer a tragédia, entretanto agora a visualizamos em toda sua “beleza”. As sequências são grandiosas, tanto plástica quanto dramaticamente e, ainda que ancoradas nos efeitos especiais, repletas de conteúdo. Partindo dessa gênese, os dois sobreviventes principais estão ligados em irremediável rota de colisão. 

O “humano” Clark Kent é um “fantasma”.  Muda-se constantemente, vai e vem sem deixar rastros ao passo em que recorda a angústia de crescer diferente, à margem, mesmo amparado pelo amor dos pais adotivos. Essas idas e vindas temporais são, quem sabe, a melhor sacada do roteiro, pois intercalam os anos de formação e as aflições persistentes na fase adulta, onde Clark continua outsider. Não há lugar na Terra para alguém cuja existência responde a velha indagação: “estamos sozinhos no universo?”. A relação com Jonathan e Marta, a rememoração da juventude conturbada, a proximidade da verdade, os custos para guardar seu segredo, são elementos que enriquecem a edificação do protagonista, figura complexa e nuançada.

Eis que Clark encontra sua origem num polo glacial, junto com Lois Lane (Amy Adams). Assume, então, a missão de proteger os terráqueos da ambição megalômana dos kryptonianos insurgentes que sobreviveram à Zona Fantasma. A partir daí, O Homem de Aço ganha em tamanho, contudo perde em consistência. Clark escanteia suas fraquezas “terrenas”, tão bem exploradas antes como substrato, para se tornar o messias impávido que está entre nós para livrar-nos do mal. O que era visto num âmbito micro (família, colegas, ligações emocionais) passa ao macro, com lentes de aumento. Óbvio, não há como, por exemplo, colocar dois seres extraordinários lutando no centro de Metrópolis sem destruição em larga escala, mas será necessário gastar tanto tempo para triturar vidro e concreto? Problema de cunho cinematográfico ou dificuldade de transposição inerente à natureza fantástica da criação de Joe Shuster e Jerry Siegel?

O ator Henry Cavill surpreende ao sustentar com personalidade o uniforme imortalizado outrora por Christopher Reeve. Já Michael Shannon atribui ao General Zod, alguém destinado à guerra, equilíbrio entre obstinação e loucura. Ainda acerca das atuações, vale destacar Russel Crowe, como o pai determinado a salvaguardar seu filho e Amy Adams, talento a serviço de uma Lois Lane forte e decisiva. Justiça seja feita, até Kevin Costner e Diane Lane, respectivamente Jonathan e Martha Kent, cumprem muito bem seus papeis, mesmo com pouco tempo de tela.

Enfim, entre méritos e deméritos, O Homem de Aço é bom restart para a franquia Superman. Empolga ao delinear/desenvolver os personagens e decepciona ao reduzi-los posteriormente à coadjuvância da destruição desenfreada. Pode não ser o suprassumo “vendido” pelos trailers, mas estabelece interessante abordagem que alinha Kal-El às plateias não mais dispostas a ingenuidades e/ou artifícios tais como cuecas sobre as calças.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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