domingo, 30 de março de 2014

CINEMA A DOIS | ANDREA ARNOLD – Marcas da Vida (2006)


Marcas da Vida se passa numa Glasgow atual, retratada, acredito, com mais tons de cinza e escuro do que o normal. Nada agrada no âmbito visual, nem no que diz respeito à construção dos personagens, à exploração dos lugares, tampouco às situações, estas quase sempre duras, torturantes e violentas. Quantos atos mecânicos, sem vida, sem luz, desde o sexo até os diálogos.

Este deve ser o tipo de filme que desponta pelo viés independente, autoral, e ah, isto ele é: bastante autoral, único, ímpar! Uma personagem que vive para vigiar e que assume o lugar de vigiada. No entanto, não há pistas ao longo do filme, exceto nos últimos momentos, nos quais entendemos algumas relações de A com B. O resto foi-se ao longo, sem muito esclarecimento. Quando os porquês são revelados a trama ganha sentido, mas até lá rola tédio, atenção redobrada pra não perder um gap, aqueles links que costumamos fazer para tentar dar sentido ao até então vazio do vazio.

É um estilo, como disse acima. Não faz muito a minha cabeça. Tons de cinza entremeados pelo próprio cinza como cor de base e pano de fundo. Nada mais compõe esse cenário: só o cinza. Paradoxalmente Red Road, título original e nome do condomínio vigiado e vigilante, se localiza na cinza Glasgow. Sei lá, é como se alguma redenção da personagem surgisse no meio da Red Road, e até surge, mas não é pra tanto. Ela não colore o todo. Ela nem colore.
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Em Marcas da Vida, primeiro longa-metragem da diretora Andrea Arnold, o relevo principal é dado à imagem. Primeiro, porque a protagonista é uma daquelas observadoras de câmeras de segurança, alimentada pelas pequenas narrativas do cotidiano alheio enquanto evita delitos e outras distorções da paz. Por meio de seu olhar, da manipulação que ela faz das tomadas, a gente vê uma série de histórias que adicionam curiosidade à trama, sem obscurecê-la no seu principal. Segundo, porque a palavra é rarefeita, utilizada no limite da necessidade diante de uma construção imagética que dá conta de unir fragmentos, pouco a pouco, para que saibamos o que se passa.

A protagonista é enigmática, no início parece apenas obsessiva por uma espécie de vingança contra o homem que a desgraçou, mas sua obsessão vai ganhando ares de patologia mais grave ao passo que elementos insólitos do seu luto são apresentados. Mas não se trata de um inventário clínico, pois mesmo nos comportamentos mais incomuns a diretora deixa entrever os efeitos compreensíveis da dor. Quando tudo parece se encaminhar para o previsível, Andrea Arnold nos lembra de que não vemos um filme fundado na obviedade, mas na investigação de sentimentos conflitantes e não raro contraditórios. Entende-se: o erro é inerente ao ato de existir.


Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller  

2 comentários:

  1. Não imaginei que fosse gostar tanto desse trecho do seu texto!

    Quando tudo parece se encaminhar para o previsível, Andrea Arnold nos lembra de que não vemos um filme fundado na obviedade, mas na investigação de sentimentos conflitantes e não raro contraditórios. Entende-se: o erro é inerente ao ato de existir.

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