quinta-feira, 20 de março de 2014

Ninfomaníaca ( )



O descompasso provocado por Lars von Trier entre o homem e a forma com que este se  organiza para viver suas fantasias ou emoções é abissal!  E nesta direção que vamos conhecer JOE (personagem de Lars) investigando suas questões afetivas, familiares e sociais com a ajuda da erudição de Seligman, um “velho” que a encontra ferida, sozinha, em um beco escuro da cidade. Ele se dispõe a cuidar de suas chagas (físicas e morais) a partir de uma afirmação feita por Joe:

- Sou um ser humano ruim!

Instalada em um quarto aconchegante do apartamento de Seligman, Joe se conecta com a sua história. A mais doce lembrança da infância, a exuberância juvenil, assim como a maturidade são caminhos percorridos por ambos em altas temperaturas. Joe nos dá imagens hedonistas de suas experiências sexuais.  Sua trajetória para a maturidade passa pelo prazer retirado das circunstâncias pelas quais se encontra (bizarras).  Desde muito pequena experimenta o medo da solidão, pois se identifica em outra esfera relacional e distante dos jogos tradicionais arraigados na estrutura comum das relações afetivas e sociais. Seligman parece perceber as singularidades de Joe e a segue (imageticamente) de mãos dadas pelos caminhos da experiência alheia. A cada passo encontrado uma abordagem filosófica, simbólica ou psicológica será incorporada ao assunto e assim as feridas de Joe vão cicatrizando até o dia clarear.

Seligman mais parece um analista, um facilitador com aptidões e conhecimentos vastos que auxiliam o percurso de ambos pelas questões humanas. Logo veremos que sua castidade também é um caminho singular e solitário utilizado para a leitura de mundo. Muitos outros símbolos são apresentados, como: a árvore de freixo que expõe sua alma no inverno (galhos aparentes), o prazer (hedonista) que se perde com a intimidade ou linguagem (conhecimento), o feminino e masculino encontrado nos objetos e ações, a maternidade + amor incondicional, o catolicismo ortodoxo que orienta seus fiéis pelo caminho da felicidade (prazer) e não da culpa, o catolicismo romano que escolhe justamente o contrário, a moral hipócrita da sociedade e dos grupos, e, como espinha central desta trajetória formatada pelo homem, Lars oferece a JOE uma couraça que se reflete neste pensamento:

“Amor é luxúria adicionada à inveja, ou ainda; Para cada cem crimes cometidos em nome do amor só um é cometido em nome do sexo...”.

E nesta direção vamos nos deparar com o arcabouço moral que destruirá a reputação pessoal de Joe. Ao mesmo tempo a presença de Seligman abre um parêntese para a capacidade humana se rever no acolhimento de novos conceitos e valores. Passamos pelo sadismo, abandonos, leviandade, entre outros, e chegamos ao perdão e a possibilidade de um horizonte muito claro para todos nós. Mas, a mediocridade humana estaria novamente à espera dos afetos para puxar o tapete da confiança. Seligman o homem casto e feliz teve a sua ereção e foi buscar seu prazer nas feridas de Joe, mas esta decidiu pela defesa da sua integridade física.

6 comentários:

  1. Bianca, você levanta um ponto super importante ao meu ver, que poucos críticos mencionaram em seus textos sobre Ninfomaníaca, que é o fato da Joe ter um histórico de solidão desde pequena. Me parece que realmente ela é fortemente marcada por essa sensação, tanto é que carrega consigo o tempo todo a fadiga de não poder contar com ninguém.
    A solidão é o mote da neurose dela, eu acho.

    Muito legal seu texto.

    bjs

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  2. Bianca, muito obrigado por ter cedido o texto ao blog. Suas reflexões sobre "Ninfomaníaca" fazem jus à complexidade da proposta de von Trier. Parabéns.

    beijos

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  3. Como encontrar-se com quem você não admira... ou teme ?
    Sim, Carol, acho que Joe percebia desde muito cedo o mote social e o pervertia. Sua árvore torta ..no penhasco era solitária !!!! Parabéns a vcs , Marcelo que nos convidam a pensar.
    Obrigada

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  4. Parabéns vcs, Marcelo e Carol, que nos convidam a pensar.
    Obrigada

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  5. Parabéns Bianca! Excelente texto

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