Por Bianca Siqueira
O descompasso provocado por Lars
von Trier entre o homem e a forma com que este se organiza para viver suas fantasias ou emoções
é abissal! E nesta direção que vamos
conhecer JOE (personagem de Lars) investigando suas questões afetivas, familiares
e sociais com a ajuda da erudição de Seligman, um “velho” que a encontra
ferida, sozinha, em um beco escuro da cidade. Ele se dispõe a cuidar de suas
chagas (físicas e morais) a partir de uma afirmação feita por Joe:
- Sou um ser humano ruim!
Instalada em um quarto
aconchegante do apartamento de Seligman, Joe se conecta com a sua história. A
mais doce lembrança da infância, a exuberância juvenil, assim como a maturidade
são caminhos percorridos por ambos em altas temperaturas. Joe nos dá imagens
hedonistas de suas experiências sexuais.
Sua trajetória para a maturidade passa pelo prazer retirado das
circunstâncias pelas quais se encontra (bizarras). Desde muito pequena experimenta o medo da
solidão, pois se identifica em outra esfera relacional e distante dos jogos
tradicionais arraigados na estrutura comum das relações afetivas e sociais.
Seligman parece perceber as singularidades de Joe e a segue (imageticamente) de
mãos dadas pelos caminhos da experiência alheia. A cada passo encontrado uma
abordagem filosófica, simbólica ou psicológica será incorporada ao assunto e
assim as feridas de Joe vão cicatrizando até o dia clarear.
Seligman mais parece um analista,
um facilitador com aptidões e conhecimentos vastos que auxiliam o percurso de
ambos pelas questões humanas. Logo veremos que sua castidade também é um
caminho singular e solitário utilizado para a leitura de mundo. Muitos outros
símbolos são apresentados, como: a árvore de freixo que expõe sua alma no
inverno (galhos aparentes), o prazer (hedonista) que se perde com a intimidade
ou linguagem (conhecimento), o feminino e masculino encontrado nos objetos e
ações, a maternidade + amor incondicional, o catolicismo ortodoxo que orienta
seus fiéis pelo caminho da felicidade (prazer) e não da culpa, o catolicismo
romano que escolhe justamente o contrário, a moral hipócrita da sociedade e dos
grupos, e, como espinha central desta trajetória formatada pelo homem, Lars
oferece a JOE uma couraça que se reflete neste pensamento:
“Amor é luxúria adicionada à inveja, ou ainda; Para cada cem crimes cometidos em nome do amor só um é cometido em nome do sexo...”.
E nesta direção vamos nos deparar
com o arcabouço moral que destruirá a reputação pessoal de Joe. Ao mesmo tempo
a presença de Seligman abre um parêntese para a capacidade humana se rever no
acolhimento de novos conceitos e valores. Passamos pelo sadismo, abandonos,
leviandade, entre outros, e chegamos ao perdão e a possibilidade de um horizonte
muito claro para todos nós. Mas, a mediocridade humana estaria novamente à
espera dos afetos para puxar o tapete da confiança. Seligman o homem casto e
feliz teve a sua ereção e foi buscar seu prazer nas feridas de Joe, mas esta
decidiu pela defesa da sua integridade física.
Bianca, você levanta um ponto super importante ao meu ver, que poucos críticos mencionaram em seus textos sobre Ninfomaníaca, que é o fato da Joe ter um histórico de solidão desde pequena. Me parece que realmente ela é fortemente marcada por essa sensação, tanto é que carrega consigo o tempo todo a fadiga de não poder contar com ninguém.
ResponderExcluirA solidão é o mote da neurose dela, eu acho.
Muito legal seu texto.
bjs
Bianca, muito obrigado por ter cedido o texto ao blog. Suas reflexões sobre "Ninfomaníaca" fazem jus à complexidade da proposta de von Trier. Parabéns.
ResponderExcluirbeijos
Como encontrar-se com quem você não admira... ou teme ?
ResponderExcluirSim, Carol, acho que Joe percebia desde muito cedo o mote social e o pervertia. Sua árvore torta ..no penhasco era solitária !!!! Parabéns a vcs , Marcelo que nos convidam a pensar.
Obrigada
Parabéns vcs, Marcelo e Carol, que nos convidam a pensar.
ResponderExcluirObrigada
Obrigado por mais um texto reflexivo.
ResponderExcluirParabéns Bianca! Excelente texto
ResponderExcluir