quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Doses Homeopáticas #29


MISSÃO IMPOSSÍVEL: PROTOCOLO FANTASMA está mais para uma aventura típica de Ethan Hunt que para tentativa de alinhamento com, digamos, os novos tempos pós-Bourne. Mas isso, por si, não quer dizer muito, pois não é preciso emular Bourne para ser bom na seara dos filmes de espionagem. Aqui tudo começa muito bem, com aqueles planos truncados, cheios de reviravoltas e segredos típicos das andanças incógnitas do agente secreto pelo mundo. O vilão a ser combatido é um cara que pretende detonar uma guerra nuclear, só isso. Contudo, aos poucos o que parecia legal vai amornando, perdendo força, inclusive visual. A resolução se aproxima ao passo em que já não nos interessa mais tanto. Brad Bird, cria da Pixar em seus primeiro live action, sai-se bem, mas é prejudicado por um roteiro dispersivo e que subaproveita boas ideias.


MISS VIOLENCE tem um pouco dos primeiros filmes de Michael Haneke. Inclusive, no início, antes de suicidar-se, a aniversariante olha para a tela, nos encarando, como faz um dos protagonistas de Violência Gratuita, embora sem o mesmo efeito. O resto do longa é um estudo sobre o que teria levado a garota a se matar. Adentramos no núcleo familiar de maneira íntima, conhecendo aos poucos a rotina que a festividade inicial não deixava transparecer. A encenação é seca, os sentimentos dos personagens parecem represados, isso visto nos semblantes que quase não conseguem mais expressar a dor existente, efeito colateral de um processo de desumanização. Há uma cena de sexo (estupro) aqui, outra mais gráfica ali, mas o que verdadeiramente confere força ao filme é a atmosfera opressiva alcançada pela articulação das coisas num nível sugestivo, menos visual e mais perceptivo.



AMOR À FLOR DA PELE é um daqueles filmes que nos sugerem o amor como fonte de tudo, início e fim não apenas de relacionamentos, mas da nossa própria interação com o mundo. O casal que se julga traído começa a encenar a traição, como se isso, ou seja, de alguma forma entender, lhes reduzisse a dor. No caminho, eles próprios se apaixonam, percebendo que não há como controlar as emoções como se elas fossem documentos tramitando em repartições públicas. A trilha sonora, a palavra que às vezes corrobora e às vezes nega a imagem, a maneira poética de Wong Kar-Wai trabalhar o tempo em prol de uma ligação que se constrói com vagar, a salada cultural de referências (que nem por isso torna a Hong Kong da década de 1960 menos asiática), a ambiência precisa da metrópole convulsionada pela crise dos espaços, são elementos que fazem de AMOR À FLOR DA PELE, quem sabe, o filme mais complexamente romântico das últimas décadas. 

Um comentário:

  1. Muito bom, Celito. Preciso rever AMOR À FLOR DA PELE. Sempre uma sessão prazerosa e comovente.

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