sexta-feira, 19 de junho de 2015

Femme Fatale














A ideia clássica do roubo no qual um dos bandidos engana seus comparsas para safar-se sozinho com o dinheiro é utilizada na abertura de Femme Fatale (2002), filme de Brian De Palma. À tensão evidente da operação é acrescida boa dose de sensualidade, por conta da bela cena de sexo entre a mulher que logo depois passará a perna em seus parceiros e a atriz que ostenta milhões na joia que adorna seu corpo numa premier do Festival de Cannes. Laure (Rebecca Romijn) é essa ladra que se vale da combinação de perspicácia e sensualidade para conseguir o desejado. Na fuga, perseguida tanto pela polícia quanto pelos remanescentes do bando, ela se depara com uma incrível coincidência que lhe dará a chave para a salvação momentânea.

Brian De Palma é, antes de tudo, um cinéfilo. Assim, normal que em seus filmes transbordem referências e reverências. Não por acaso, em Femme Fatale a protagonista assiste Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder, clássico do gênero noir no qual a mulher fatal interpretada por Barbara Stanwyck utiliza da mesma maneira seus encantos para alcançar objetivos escusos. Voltando ao filme de Da Palma, nele o fotógrafo interpretado por Antonio Banderas logo se vê enredado pela combinação de perigo e volúpia. Ele é a típica vítima da femme fatale, pois no lugar errado, na hora errada e suscetível aos encantos da mulher, esta primeiro vulnerável a fim de suscitar seu senso de proteção e depois forte a ponto de subjugá-lo, física e intelectualmente. 

Femme Fatale é um exercício de estilo. Não fosse a assinatura de alguém prestigiado e certamente passaria quase despercebido entre tantos filmes lançados do mercado, pois calcado em coincidências improváveis, cujas justificativas não encontram base nem mesmo em qualquer viés paródico, e num movimento de reviravolta tão canhestro quanto estranho. A protagonista se vê diante de um “duplo” bem quando na encruzilhada. Desse encontro inusitado saem a sequência da trama e, posteriormente, o truque bem mequetrefe que permitirá uma segunda chance. Déjà Vu? Sonho? Vidência? Como podemos classificar esse movimento de conseqüências um tanto moralistas, que mostra ao espectador algo para depois lhe puxar o tapete debaixo dos pés? O problema não é o artifício em si, utilizado com mais competência em outras ocasiões, mas o que deriva dele.

A própria conduta da protagonista após a famigerada guinada contradiz os preceitos da femme fatale. Não que a distorção do cânone seja em si um problema, mas isso desde que integrada a uma proposta toda ela de subversão, o que não é o caso. Acaba que o tema da “segunda chance” se sobrepõe a tudo: à trama criminal, à personalidade da protagonista e ao envolvimento dela com os demais personagens. Femme Fatale é um dos típicos tropeções de De Palma, daqueles que, ao menos, resultam de sua constante busca pelo risco. Em meio a uma carreira repleta de grandes realizações, nada que comprometa.


Publicado originalmente no Papo de Cinema

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