terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Doses Homeopáticas #59


FILME DEMÊNCIA é a descida ao inferno empreendida pelo homem que se depara com a falência do negócio herdado do pai. Livre adaptação de Fausto, de Goethe, o filme de Carlos Reichenbach acompanha o protagonista em andanças desnorteadas, em contato com todo tipo de representante do submundo, transitando por entornos onde a degradação é latente. O povo professa em prosa e verso as injustiças vigentes enquanto este Fausto moderno atravessa São Paulo mirando um oásis que lhe vem em sonho e cuja imagem o persegue durante toda trama, configurando-se numa espécie de ponto a ser alcançado. Carlão realça a condição terceiro-mundista das pessoas e de suas aspirações, ressaltando a importância do sexo por meio dos corpos nus das mulheres que se insinuam ao protagonista. O fluxo é onírico, instância em que matar pode significar libertação, enquanto morrer não é uma opção a quem já vive no fio da navalha. As deambulações de Fausto por prostíbulos de quinta categoria, bares infestados de fracassados, ruelas decrépitas, bem como a companhia de tipos estranhos, evidenciam a vontade de Reichenbach de mesclar o popular e o erudito, pintando com tintas de subdesenvolvimento a escrita original do alemão.


TERRA EM TRANSE é uma alegoria complexa da política terceiro-mundista, com seus personagens trocando de lugar, torcendo a própria ideologia em busca de votos e poder. O poeta apoia o candidato tecnocrata até que ele se eleja senador, depois transfere sua pena à causa do vereador populista que, então, vira um postulante ao cargo de governador. A intenção é abrandar a situação do povo, a miséria que toma conta das camadas menos abastadas da fictícia Eldorado. As forças econômicas são desmascaradas como manipuladoras da conjuntura social, elas que usam políticos como títeres para alcançar seus objetivos. Um magnata da mídia também escancara sua influência, o poder que comumente se intitula de o quarto, mas que pode assumir um protagonismo disfarçado de isenção, no que tange aos destinos da nação. Glauber Rocha fez um filme instigante, no qual a linearidade temporal é abertamente desrespeitada em prol de uma estrutura narrativa signatária do caos que se pretende deflagrar. Essa realização de Glauber é um convulsionado retrato da política brasileira, sobretudo do conturbado período do início dos anos 1960. Obra-prima.



Não há nada de mais em UM SENHOR ESTAGIÁRIO. Um cara resolve voltar a trabalhar depois dos 70 anos, virando estagiário numa empresa moderna, repleta de jovens. Claro que sua presença vai alterar a rotina, servir de contraponto experiente à imaturidade de muitos ali. O que faz o filme ser muito bom, divertido, é a maneira como Robert De Niro interpreta esse cara boa praça, acolhedor, que observa a todos com carinho, sem julgamentos excessivos. Há também méritos no trabalho de direção de Nancy Meyers, especialista neste tipo de filme que, se por um lado, navega em águas calmas, sacolejadas vez ou outra por ventos que sabemos serem passageiros, por outro, não se acovarda de apresentar as falhas e as dificuldades de seus personagens. Embarcamos, assim, nessa nau comandada por Meyers sabendo o tipo de narrativa que nos espera, algo não necessariamente ruim se estivermos em busca de uma história bem contada, protagonizada por gente carismática. Aqui, o estagiário de De Niro serve como uma espécie de anjo da guarda que ajuda a chefe a ser uma pessoa melhor, além de auxiliar os colegas nas mais diversas tarefas (inclusive amorosas) e encontrar, ele próprio, o amor. Cinema que deixa um sorriso no rosto do espectador ao fim da sessão.

2 comentários:

  1. Tô desatualizada aqui... e encantada de sempre constatar seus textos cada vez mais elaborados e bons de ler :)

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    1. Muito obrigado, Carol =D
      Sempre é muito bom poder contar com tua leitura e comentários.

      Beijão

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