Direção: Marc Forster.Roteiro: Marc Forster, Adam Forgash e Catherine Lloyd Burns.
Gritos na Noite é o segundo filme dirigido por Marc Forster, cineasta de talento reconhecido e que hoje tem em seu currículo filmes voltados ao grande público, como Em Busca da Terra do Nunca e O Caçador de Pipas. Faz-se notar a incrível disparidade dos filmes subseqüentes de Forster com este trabalho menor, sendo a maior característica de Gritos na Noite a experimentação feita pelo diretor em suas escolhas estéticas. O diretor venceu o Festival de Sundance em 2000 na categoria de Melhor Direção, justamente por apresentar o uso de elementos fílmicos simplistas e pouco utilizados com tamanha competência.
O que temos aqui é um trabalho filmado em um digital cru, quase caseiro, que tem papel importante por aproximar o filme a uma realidade palpável. A escolha pelo digital tosco casa perfeitamente com o ambiente onde o filme se passa, e a maioria das cenas funciona incrivelmente bem, como em uma seqüência de um aniversário infantil, que apresenta todo o núcleo de personagens se relacionando, como se um parente próximo estivesse captando tudo aquilo através de uma câmera doméstica, para rever posteriormente com sua família.
A forma original aplicada pelo trio de roteiristas Adam Forgash, Catherine Lloyd Burns (que também atua no filme) e pelo próprio Forster à trama, muito recorrente por sinal - mãe perturbada pela precoce morte de um filho -, é um dos grandes feitos de Gritos na Noite. Não há espaço no filme para momentos gratuitos, ou cenas descartáveis, pois toda a relevância de algumas seqüências aparentemente desnecessárias acaba subentendida, como em um dos primeiros diálogos, onde a protagonista, então grávida, reflete e exterioriza seus pensamentos acerca do movimento cíclico da vida. A passagem faz referência ao próprio filme, que tem em sua derradeira seqüência o nascimento de uma nova realidade para a vida da personagem, extremamente semelhante à inicial.
O mundo perfeito que Forster analisa através de sua direção por vezes frenética vai se metamorfoseando ao decorrer do filme. As pessoas vão aos poucos apresentando outras faces, lados desconhecidos, enquanto a atormentada personagem de Radha Mitchel, Angie, é machucada por uma série de acontecimentos desencadeados com o falecimento de seu filho, como os recorrentes problemas com suas amigas, pessoas que assim não mereciam ser classificadas. Quando a banalidade em seus relacionamentos se resume a encontros e discussões vazias, as amigas de Angie visivelmente transmitem a felicidade por terem o controle de suas previsíveis vidas. Quando o inesperado ocorre com Angie, no entando, as tais mulheres sempre presentes passam a evitar a companhia daquela que julgam agora ser uma estranha, pelo simples fato de estar mudando o curso no qual tudo deveria estar acontecendo.
Não se pode esquecer a composição extraordinária de Radha Mitchel para Angie, atriz que posteriormente não foi tão bem aproveitada por outros diretores (talvez por Woody Allen, em Melinda e Melinda), que merece grandes elogios já que sem um desempenho visceral como o seu o filme ficaria em parte vazio. Espero que se inserindo em projetos como o novo James Bond Marc Forster consiga posteriormente certa independência criativa e volte a trabalhar em projetos menores, singulares como este, e de grandes resultados.









Chalaça – A Peça é uma adaptação feita pela Cia. Les Commediens Tropicales, de São Paulo, para o livro Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça, de José Roberto Torero. A peça tem por mote a família real brasileira, e/ou portuguesa, ou seja, aquela da nossa pátria mãe. Filha da mãe! Somos portanto, e invariavelmente, uma pátria filha-da-mãe, fato. A encenação fala, mais precisamente de Francisco Gomes da Silva, conhecido como Chalaça, figura interessantíssima de nossa história, chamado de A Sombra do Imperador, famoso também por ter apresentado Domitila, a futura amante de D. Pedro e Marquesa de Santos, ao nobre. Como isto não é uma aula de história (eu nem teria conhecimento para tanto), vamos à peça. A encenação começa com um pandemônio, os personagens correndo de um lado para o outro com suas cadeiras e figurinos ora discretos, ora extravagantes. A correria acaba, somente quando um dos personagens senta no centro do palco, com um microfone em sua frente e começa a falar, tal qual estivesse a dar um depoimento, melhor ainda, como se estivesse sendo interrogado sobre a sordidez que existia nas relações familiares reais e o envolvimento de Chalaça em todas estas. O tom começa mais sério, um pouco didático (natural em se tratando de história), mas, aos poucos, a comédia começa a tomar forma, uma forma inapelável, irresistível. Personagem vai, personagem vem, e numa dança das cadeiras muito bem pensada, acompanhada de palavreado erudito misturado com linguagem popular, vemos um pouquinho do nosso passado como colônia e, depois, como império se mostrando por meio das ações de Chalaça, que não aparece como personagem físico na peça, mas, torna-se tão palpável e rico como nenhum outro encenado. Não tenho aqui a pretensão de fazer um texto crítico (tal qual ocorre no caso da história, não tenho bagagem para isso, não sou um conhecedor profundo de teatro), mas devo dizer que Chalaça – A Peça marcou um dos momentos mais divertidos que já tive no teatro. A comicidade, o ótimo texto e a ousadia da companhia contribuem para que se tenha quase uma hora e meia da melhor e mais divertida aula (no melhor sentido da palavra) de história. Destaque para os momentos que são utilizados como transição, para dar uma revigorada na narrativa. Num destes momentos o joguete que se faz é tão engraçado que, nem a genitália masculina exposta, soa como ofensa, soa sim como limite a que o brasileiro chega para sacanear o próximo. Isso mostra um pouco do povo que fomos naquela época e no qual nos tornamos, ou seja, não mudou muita coisa.
