quarta-feira, 25 de maio de 2011

The Borgias e os mercadores da fé


Não é novidade a migração (felizmente temporária) de grandes personalidades do cinema para a televisão, principalmente nos Estados Unidos. É um movimento inverso ao de anos atrás, em que artistas com bons trabalhos televisivos eram seduzidos pelo glamour do cinema. Se no mercado americano está cada vez mais difícil a captação de financiamento para projetos cinematográficos que fujam do convencional, ou dotados de linguagem um pouco mais ousada, a televisão parece ter se transformado, de uns tempos para cá, num porto seguro justamente para este tipo de proposta.

The Borgias originalmente era uma ideia que o diretor Neil Jordan tinha para cinema, mas que acabou utilizando como base desta série exibida no Showtime, canal americano de televisão por assinatura. Contando com o know how de Michael Hirst, responsável por outro sucesso da mesma emissora, e que focava também uma célebre família de eras remotas, The Tudors, Jordan colocou em prática, e com mais tempo de desenvolvimento, sua visão desta lasciva e corrupta linhagem renascentista, os Borgia. Jeremy Irons foi escalado para o papel principal, o de Rodrigo Borgia, o patriarca que chegou ao papado em 1492.

Para quem se interessa pelo recorte histórico, The Borgias é prato cheio, pois refuta o didatismo, e, a despeito de suas liberdades, nos mostra bem o panorama da aristocracia europeia e da geopolítica na época. O refinamento não fica apenas no campo da pesquisa histórica, o capricho pode ser visto também nos figurinos exuberantes e na reconstrução de época, que dão verossimilhança à produção. The Borgias se atém fortemente à corrupção desta família que tomou de assalto o Vaticano, e que tratou a Santa Sé como se fosse um empreendimento doméstico, de investimento à longo prazo e cheio de riscos, diga-se. A luxúria também está muito presente, as cenas de sexo são abundantes, e interessantemente conferem clima de constante pecado, aclimatando a história focada nos meandros e corruptelas das mensagens da Igreja Católica. 

O elenco é outro ponto a se destacar em The Borgias. Jeremy Irons encarna um personagem ambíguo, que demonstra sua sede de poder com a mesma intensidade com que ama, não tão clandestinamente assim, a bela Farnese. Mais do que religioso, ele é um líder mercantil, e por vezes podemos até esquecer que aquele homem de branco sentado no trono de São Pedro é o sumo pontífice, dado a suas ações prioritárias como chefe de estado. Seu filho Césare que, inclusive, foi inspiração para o clássico O Príncipe, de Maquiavel, é interpretado com muita gana por François Anaud, seguramente um dos maiores destaques dentro de um elenco recheado de boas interpretações. 

É “chover no molhado” exaltar as recentes produções da televisão americana em detrimento de seu cinema cada vez mais infantilizado. A qualidade realmente não é mais novidade, e esta migração de talentos da tela grande para a pequena, mencionada anteriormente, nada mais é que reflexo de uma situação de mercado. The Borgias se aproveita da abertura, é um belo exemplar deste filão dos programas estadunidenses que instigam nossa constante fome por períodos históricos que nos auxiliem na compreensão de nosso próprio, com narrativa envolvente e sedutora. Não é a melhor série de todos os tempos, e não cometeria aqui o pecado dos superlativos vazios apenas para reforçar meu argumento, mas certamente pode-se classificá-la como uma das mais interessantes da temporada. Já renovada, The Borgias continuará sendo alvo de minha audiência, ávida para conferir os desdobramentos da saga dos Borgia, e os propósitos escusos de um Papa que está mais para agressivo empresário do que para líder espiritual.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Pois é, havia me escalado para conferir esta série e acabei não o fazendo. Parece de fato bem interessante e instigante, quem sabe uma hora dessas visito o século XV.

    Abraçossss

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  2. Oh, telinha! Muitas produções e pouco tempo para eu me dedicar à elas. Tenho muita vontade de ver The Borgias. Devo me empenhar no intervalo entre a segunda temporada de "Treme" e a próxima de "Dexter".

    Belo texto, Celo. Instigou ainda mais minha curiosidade.

    Abraços!

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