sábado, 7 de maio de 2011

Meu amor pelo cinema


Minha cinefilia não se iniciou junto com a curiosidade pelo mundo, pelas descobertas mais cotidianas. Não fui alguém influenciado pelos pais, levado constantemente desde a mais tenra idade às salas de projeção. Tive de descobrir por minhas próprias pernas a validade que a sétima das artes traz para uma compreensão abrangente de quem somos, do que podemos ou não podemos, das agruras e belezas da terrena alma humana. Meu pai foi comigo uma vez a um cinema já decadente, no ocaso de meus quatro anos, para mostrar-me a paixão que em mim ficou semi-adormecida quase até a maioridade. Fui pouco ao cinema até os dezoito anos, sei lá, não me interessava, ou me faltava estímulo. Mas evito colocar culpas e transferir aos outros minha inércia ante as possibilidades dos filmes, que eu percebia naquela época como meros entretenimentos, sem qualquer tipo de ressonância posterior possível.

Não tenho grandes histórias para contar de matinés em que ia com amigos, ou qualquer surto de iluminação precoce por conta de uma obra-prima. Não fui uma criança ou mesmo um adolescente que via filmes em preto e branco, quiçá mudos. Preferia os desenhos animados, as histórias arquetípicas de heróis e heroínas fictícios que povoavam meu imaginário. Ainda bem que a gente evolui, ou se pensa evoluído. Quando senti o gosto doce que o cinema pode deixar após uma sessão, através da comunhão entre o “eu” e a tela, iluminada que é por histórias mil, por trajetórias das mais diversas, não necessariamente possuidoras dos finais que eu esperava, ou mesmo dos desfechos mais previsíveis, senti que havia naquela relação algo de diferente. Quando senti o gosto amargo e reflexivo que permanece após filmes focados na exploração profunda da alma ou da miséria humana, e ao perceber por meio das mais variadas lentes que o mundo e, por conseguinte, as pessoas, podem ser mecanismos muito mais complexos do que minha vã filosofia propunha, senti que algo se quebrara, e que a reconstrução me proporcionava a evolução pessoal que nem imaginava almejar.

Amar o cinema é, como toda forma de amor, um constante processo de abdicação. Ele pede que deixemos para trás nossos preconceitos, para que sejamos melhores e aptos acompanhar suas mudanças. Amar o cinema é ser crítico e abrangente, não inflar o ego para proferir ao outro seu pedantismo, espezinhar um filme por pura falta de conhecimento intelectual ou até mesmo por birra acadêmica. Amar o cinema é entregar-se ao prazer de filtrar as experiências que nos são passadas pela sensibilidade de artistas tão diversos, preocupados com causas tão distintas que quando menos esperamos já nos tornamos possuidores do dom de compreender um pouco melhor o mundo, como ele bem merece. Não nasci ou cresci vendo filmes. Descobri o amor pelo cinema mais tarde, quando já tinham se passado as fases da inocência e da euforia, mas costumo dizer que não o encontrei “tarde”, e sim no momento certo. Não é assim em alguns filmes românticos? Pouco importa quando e onde, e sim se de fato nos depararemos, em meio ao caos, com nossos grandes amores.

Um comentário:

  1. Olá, Celo!
    Bastante pertinente seu texto.
    Comigo ocorreu o mesmo, com o cinema e, principalmente, com a literatura. Amores tardios, porém não menos intensos. Por vezes a preguiça toma o lugar do amor, a inércia senta em lugar que não lhe pertence. O que nos resta? Lutar contra essa atração demoníaca, diriam os cristãos mais fervorozos e presentes assiduamente à terapias grupais de lavagem cerebral. Prefiro a imagem de uma Odisséia particular, onde os inimigos dividem moradia.

    Abraçosss

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