quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

CINEMA A DOIS | DENYS ARCAND – As Invasões Bárbaras (2003)


Quinze anos depois, Denys Arcand reúne novamente os personagens de O Declínio do Império Americano, agora em As Invasões Bárbaras, até então seu trabalho mais sutil e simples (no melhor sentido da palavra). Arcand comove ao abordar temas atuais e pertinentes, sem forçar a barra ou apelar ao dramalhão, pelo contrário, aliás, como é comum ao seu estilo, equilibrando as cargas de emoção e razão. A relação de Rémy (personagem principal) com o filho marca as passagens mais importantes do filme, nas quais são expostas dificuldades afetivas antigas. Anos depois, o pai, também mais maduro, sofre a ausência do filho e dos amigos.

Arcand “remonta” ou recoloca esses personagens: os amigos de Rémy, o filho, a ex-mulher e aquela que será fundamental ao desfecho do drama. Todos se movimentam a partir da notícia do estado terminal do protagonista. As Invasões Bárbaras consegue conciliar o micro e o macro, partindo de um ponto comum. O drama vivido pelos personagens, o imbricamento entre os mesmos e os fatores sócio-políticos se auto-pertencem, como que fazendo parte de um grande sistema. O mais bonito do filme é a harmonia obtida por Arcand entre o que ficou no passado condenado e o que se tem no presente. Uma espécie de acerto de contas que, como na vida real, só é possível ao amadurecermos e estarmos dispostos a enfrentar nossos próprios fantasmas.  Tá pra nascer um filme tão bom!!!!
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Em O Declínio do Império Americano os personagens celebravam a beleza das contradições, os amores entremeados por traições ocasionais, lembravam saudosos de histórias transgressivas e de engajamento. Nas conversas, o sexo assumia o protagonismo devido, isso numa entorno que teimava (e ainda teima) em lhe marginalizar. Já em As Invasões Bárbaras, a sequência, o assunto é quase unicamente a morte, a falência do material humano bem como de certo projeto de sociedade. A relação complexa e conturbada entre pais e filhos surge nesse panorama como indicativo da dificuldade de coexistir e de, muitas vezes, deixar de repetir determinados padrões antes recriminados.

Rémy está morrendo. Não exibe mais a vitalidade de antes e o apetite sexual que lhe garantiu notoriedade no meio dos amigos intelectuais, entre eles algumas de suas amantes. À espera da morte, reencontra o filho e passa a limpo seu passado, expõe o medo de desaparecer sem deixar qualquer marca relevante, invadido sem possível resistência por uma doença incurável. As Invasões Bárbaras é um filme sentimental, não por apelar deliberadamente aos nossos sentimentos, mas por se utilizar deles a fim de amplificar – tonando humano, portanto próximo de nós – o decreto de uma derrocada. Com Rémy não se foi apenas o próprio, mas toda uma geração. 


 Por Ana Carolina Grether e Marcelo Müller

4 comentários:

  1. Marcelo, devo confessar que dessa vez gostei ainda mais de Invasões Bárbaras e mais ainda que meu predileto de sempre " Amor e restos humanos".
    O próximo e último é uma surpresa ótima , com uma pegada mais leve.., lembro de pouca coisa.
    bjs

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  2. Oi, Carol

    Me emocionei muito vendo AS INVASÕES BÁRBARAS, mas ainda continuo achando O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO melhor, de repente por causa do humor corrosivo, sei lá. Mas são filmes que se completam muito bem, ao meu ver.

    E vamos pro último dessa leva do CINEMA A DOIS.
    Obrigado pela parceria, mais uma vez.

    Beijos

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  3. Fiquei com vontade de assistir aos dois novamente. Parabéns, forte abraço.

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  4. Assista mesmo, Rafa, e depois volte aqui para dizer o que achou.

    Abraços

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