Não é arbitrário em PAIS E FILHOS
o cineasta Hirokazu Koreeda voltar as principais atenções a um dos pais das
crianças trocadas na maternidade, o homem jovem que devota boa parte do tempo
ao trabalho. No filme, muito se discute o valor do sangue, da tradição, da
herança deixada de uma geração para a outra. Esse pai workaholic e sua mulher passiva não são apenas visivelmente menos
amorosos do que o outro casal, mas vítimas/signatários do legado da geração
pós-Segunda Guerra que precisou baixar a cabeça e trabalhar para a reconstrução
do país. A alta exigência – da educação à conduta profissional - foi um mal
necessário, mas deixou como espólio à cultura nipônica a obsessão pelo
eficiente à custa de asfixiar o bom e velho contato humano. Lá pelas tantas, o
pai rico diz quando pressionado a ficar mais junto do filho: “ninguém pode me substituir no trabalho”. Logo após, o mais pobre responde: “ninguém pode lhe substituir como pai de seu
filho”. Mais do que representantes de esferas sociais distintas (e se assim
estritamente o fossem, o filme seria raso), eles representam visões de mundo
opostas nesse excelente filme de Koreeda.
Primeiro longa de Tom Hanks como diretor,
THE WONDERS – O SONHO NÃO ACABOU é um daqueles filmes que deixam a gente de
alto astral. Se passa na década de 60, quando 09 entre 10 jovens
americanos queriam ser astros de rock. A
banda The Wonders, feita de garotos do interior, experimenta num curto espaço
de tempo as fases de muitos grupos de verdade, ou seja, o sucesso repentino
(neste caso, embalado pelo ritmo contagiante de That Thing You Do!), a euforia dos primeiros shows, um eventual
fracasso, o pico e o início dos problemas incontornáveis. A reconstrução de
época é um dos pontos altos do filme, assim como a alusão a coisas que hoje nos
parecem quase estranhas, como certo fascínio romântico das pessoas pela TV
(naquela época ainda um meio de comunicação relativamente novo), uma
ingenuidade que permeava as relações e um resquício de fé no outro. Enfim, THE
WONDERS – O SONHO NÃO ACABOU é para ver com sorriso no rosto.
Se há uma coisa que falta no
Brasil é cinema de gênero. Portanto, de antemão, é de se comemorar uma
iniciativa como a do cineasta Marco Dutra, o seu QUANDO EU ERA VIVO. Se no
primeiro longa de Marco (co-dirigido com Juliana Rojas), TRABALHAR CANSA, o
horror era um ingrediente, aqui ele passa a prato principal. O homem que volta
para a casa do pai após a separação encontra seu antigo lar sem qualquer
lembrança da mãe morta. Aos poucos, resgata as peças antigas, recoloca quadros,
escurece a casa, ou seja, a torna como antes, para desespero do pai que vê o
passado retornar. Tudo gira em torno desse adulto ligado à figura da mãe mais
por força demoníaca do que necessariamente por saudade. Ainda que seja um filme
admirável sob certos aspectos, sobretudo no que diz respeito às ótimas atuações
e ao desenho de som engenhoso, QUANDO EU ERA VIVO se ressente da falta de um
ponto alto, parece naufragado numa atmosfera bem construída, é verdade, mas que
não evolui para além de armadilhas que ele mesmo constrói.
A covardia surge já nas primeiras
cenas, filmadas com celulares. Policiais interceptam violentamente jovens numa
estação de metrô, até que um deles atira à queima roupa. Retrocesso temporal da
imagem amadora para o dia anterior, o último do rapaz que morre por conta do
desprepara emocional da polícia. Numa linguagem que busca o tom cotidiano até
onde é possível, FRUITVALE STATION – A ÚLTIMA ESTAÇÃO trata de exumar a vida
desse rapaz, tomando por base suas últimas 24 horas, mostrando dificuldades
familiares, profissionais, o passado criminal, ou seja, tratando de construir
uma figura complexa, sem muitos sinais de condescendência, ainda assim vítima
da brutalidade desmedida. O diretor Ryan Coogler foge de paternalismos, mas, ao
mesmo tempo, lança um olhar fraterno a esse rapaz que buscava começar do zero,
reavendo o amor da namorada e cultivando relação próxima com a filha. Em tempos
de discussão sobre a validade dos chamados “rolezinhos”, é imprescindível
assistir a um filme como FRUITVALE STATION – A ÚLTIMA ESTAÇÃO.
Mais um privilégio: assistir ERA
UMA VEZ EM TÓQUIO em tela grande, numa cópia restaurada. O clássico de Yasujiro
Ozu é certamente uma obra-prima, se trata de um dos grandes filmes ancorados na
família, na dificuldade da relação entre pais, filhos e demais parentes. O
casal que vai a Tóquio visitar os filhos é recebido com uma alegria aparente
que logo se transforma em desconforto. Para as “crianças” o trabalho sempre é
prioridade, as atividades cotidianas não podem cessar, e os pais ficam meio à
deriva, jogados de um lado para o outro, encontrando alento apenas na companhia
da esposa do filho que provavelmente morreu na Guerra. A capital japonesa não é
aquele oásis que os idosos imaginavam, tampouco os filhos estão bem
estabelecidos como faziam crer de longe. Ozu registra tanto a família quanto a
cidade sem condescendência, ainda que de maneira generosa e acolhedora. ERA UMA
VEZ EM TÓQUIO contempla com viés crítico, carregado ainda de doses de
melancolia.
Show de bola!
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