sábado, 10 de maio de 2014

Amor Bandido


O interior dos EUA não é paisagem que costumamos ver no cinema. Nosso imaginário é muito mais íntimo das grandes cidades estadunidenses, das avenidas nova-iorquinas, das ladeiras de São Francisco, das vielas de Chicago, enfim, da urbanidade. Geralmente são os filmes menores que perscrutam as paisagens periféricas, estas muito estranhas aos nossos olhos estrangeiros. Em Amor Bandido, Jeff Nichols, diretor cujo trabalho anterior, o forte O Abrigo, havia lhe credenciado como digno de atenção em meio aos inúmeros que surgem, circunscreve a trama num desses lugarejos onde o progresso parece alienado ante a tradição capital da vida interiorana. O efeito mais evidente é não sabemos ao certo a época na qual o longa se passa.

Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland) são dois garotos às voltas com problemas familiares e questões inerentes à puberdade. Ao transgredir os limites de sua navegação no rio, eles encontram o enigmático Mud (Matthew McConaughey) numa ilha. Ellis e Neck passam, então, a servir de elo entre esse contador de grandes histórias e a cidade que, além de ter os suprimentos necessários, fervilha de perseguidores ávidos por vingar-se do tal homem guiado pela devoção à paixão de sua vida, a bela Juniper (Reese Witherspoon). O sentimento que a tudo busca vencer, responsável por transformar o apaixonado num aventureiro destemido, seduz especialmente Ellis, para quem Mud soa heroico, modelo a ser seguido e, portanto, ajudado.

Mesmo batizado originalmente com o nome do personagem de McConaughey, Amor Bandido é protagonizado por Ellis, menino que encontra uma causa pela qual lutar em meio a separação de seus pais e a iminente mudança para a cidade. Nichols injeta em seu filme uma leve aura fantástica, não por qualquer intrusão de elementos acima da compreensão humana, mas ao revestir quase todas as figuras com fina camada de mistério. O faz, também, remontando alguns filmes oitentistas, principalmente Conta Comigo, de Rob Reiner, com o qual guarda diversas semelhanças. Aliás, a década de 80 foi fértil para o cinemão discutir a juventude americana num espectro que nos dizia respeito, pois calcado em certa universalidade da adolescência. Amor Bandido promove resgate nesse sentido.

Ellis, sobretudo, parece entender sua ligação com Mud tal se ajudasse um amigo pirata a recolocar caravela ao mar para resgatar sua amada presa pelos malfeitores que a fazem refém da vilania. Essa percepção entre a imaginação infantil e o ímpeto adolescente perpassa o filme e possibilita, por exemplo, que entendamos os personagens apenas como metáforas, mas também no que são literalmente. É importante em todo esse processo a figura paterna, espécie de âncora representada pelos pais biológicos ou por aqueles cujo comportamento serve de referência. Amor Bandido é, assim, sobre o inevitável crescimento, partindo da infância lúdica em direção os mares, por vezes revoltosos, da mais pura realidade adulta.


Publicado originalmente no Papo de Cinema 

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