O interior dos EUA não é paisagem
que costumamos ver no cinema. Nosso imaginário é muito mais íntimo das grandes
cidades estadunidenses, das avenidas nova-iorquinas, das ladeiras de São
Francisco, das vielas de Chicago, enfim, da urbanidade. Geralmente são os
filmes menores que perscrutam as paisagens periféricas, estas muito estranhas
aos nossos olhos estrangeiros. Em Amor
Bandido, Jeff Nichols, diretor cujo trabalho anterior, o forte O Abrigo, havia lhe credenciado como
digno de atenção em meio aos inúmeros que surgem, circunscreve a trama num
desses lugarejos onde o progresso parece alienado ante a tradição capital da
vida interiorana. O efeito mais evidente é não sabemos ao certo a época na qual
o longa se passa.
Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob
Lofland) são dois garotos às voltas com problemas familiares e questões
inerentes à puberdade. Ao transgredir os limites de sua navegação no rio, eles
encontram o enigmático Mud (Matthew McConaughey) numa ilha. Ellis e Neck passam,
então, a servir de elo entre esse contador de grandes histórias e a cidade que,
além de ter os suprimentos necessários, fervilha de perseguidores ávidos por
vingar-se do tal homem guiado pela devoção à paixão de sua vida, a bela Juniper
(Reese Witherspoon). O sentimento que a tudo busca vencer, responsável por
transformar o apaixonado num aventureiro destemido, seduz especialmente Ellis, para
quem Mud soa heroico, modelo a ser seguido e, portanto, ajudado.
Mesmo batizado originalmente com
o nome do personagem de McConaughey, Amor
Bandido é protagonizado por Ellis, menino que encontra uma causa pela qual
lutar em meio a separação de seus pais e a iminente mudança para a cidade. Nichols
injeta em seu filme uma leve aura fantástica, não por qualquer intrusão de
elementos acima da compreensão humana, mas ao revestir quase todas as figuras
com fina camada de mistério. O faz, também, remontando alguns filmes
oitentistas, principalmente Conta Comigo,
de Rob Reiner, com o qual guarda diversas semelhanças. Aliás, a década de 80
foi fértil para o cinemão discutir a juventude americana num espectro que nos
dizia respeito, pois calcado em certa universalidade da adolescência. Amor Bandido promove resgate nesse
sentido.
Ellis, sobretudo, parece entender
sua ligação com Mud tal se ajudasse um amigo pirata a recolocar caravela ao mar
para resgatar sua amada presa pelos malfeitores que a fazem refém da vilania. Essa
percepção entre a imaginação infantil e o ímpeto adolescente perpassa o filme e
possibilita, por exemplo, que entendamos os personagens apenas como metáforas,
mas também no que são literalmente. É importante em todo esse processo a figura
paterna, espécie de âncora representada pelos pais biológicos ou por aqueles
cujo comportamento serve de referência. Amor
Bandido é, assim, sobre o inevitável crescimento, partindo da infância
lúdica em direção os mares, por vezes revoltosos, da mais pura realidade adulta.
Publicado originalmente no Papo de Cinema
Muito bom, Celo!
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