sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Vento do Leste

Direção: Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Gian Maria Volonté, Anne Wiazemsky, Cristiana Tullio-Altan, Allen Midgette, José Valéra, Paolo Pozzes, Götz George, Glauber Rocha, Fabio Garriba, Vincenzo Porcelli, Milvia Deanna Frosini, Mario Jannilli, Federico Boido, Aldo Bixio, Daniel Cohn-Bendit

“Atenção! É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / Atenção! é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte.”

Assim, cantando quase que solenemente numa encruzilhada, lá pela metade de Vento do Leste, filme dirigido por Jean Luc-Godard e Jean-Pierre Gorin, Glauber Rocha começa o que será uma sequência de menos de três minutos, na qual o diretor brasileiro dá sua versão de que caminhos o cinema pode tomar. A encruzilhada de Glauber reflete suas preocupações quanto ao cinema a se fazer no terceiro mundo, quais caminhos tomar. Godard e Gorin estão mais preocupados em criar uma cena emblemática, que sirva de apoio a mensagem política que percorre este que eu não classificaria como filme e sim como ensaio. Vento do Leste é de uma fase política e ferrenhamente engajada de Godard, num período em que criou o grupo Dziga Vertov, unindo-se a militantes intelectuais de esquerda com o propósito de realizar filmes experimentais que funcionariam como panfleto de sua luta ideológica. As idéias do Dziga Vertov eram reflexo das turbulências políticas que modificavam a Europa, resquícios do perídio pós 68 e sua efervescência.

Vento do Leste soa hoje (não posso saber, por motivos óbvios, como seria minha reação ao vê-lo na época de seu lançamento) como um ensaio de auto-ajuda política, um panfleto descarado que se mostra pretenso a dar direções absolutistas quanto a realização do cinema, quanto a captação de imagens e suas “obrigações sociais”. É um filme extremista, que se utiliza dos elementos do western, não por acaso gênero americano por excelência, para ridicularizar as formas do cinema dito dominante. É interessante, no entanto, ver como Godard e Gorin se auto criticam, refletindo sobre a própria forma de cinema na qual acreditam, mas se há em Vento do Leste algo que me incomoda bastante, é a prepotência em acreditar que há somente um caminho para o cinema, numa visão claramente apocalíptica e, porque não, egocêntrica. A mensagem a priori importante do filme se dilui numa verborragia que lembra uma lavagem cerebral, uma tentativa de mudar radicalmente o pensamento ao romper com os elos da narrativa clássica. Para eles não é clássica, é revisionista. As imagens de Vento do Leste são um tanto quanto estéreis, perdem brilho frente a falácia dos narradores. O texto subjuga o visual. A exceção é justamente a encruzilhada de Glauber, na qual o brasileiro se assemelha a um Cristo terceiro-mundista, sequência em que há convergência de sons e imagens, numa belíssima montagem que amplifica a mensagem. É isto que falta, em linhas gerais, a Vento do Leste, uma imagem tão claramente engajada e bem construída como seu texto, mesmo que este peque pelo excesso.

Vai ver me falta consciência político/social para conseguir uma fruição melhor de Vento do Leste e de toda verborragia de Godard e Gorin. Como espectador e apreciador de cinema, devo dizer que a alegoria pela alegoria não me satisfaz, que o ensaio de imagens ocas, recheado por um texto sem sutilezas, direto, incessante e por vezes enfadonho, me pareceu muito mais uma experiência audiovisual do que cinema. Tem seus méritos, claro que tem, afinal de contas Godard, principalmente, não é burro ou simplório. Mas o caráter panfletário e a petulância em apontar o “caminho ideal para o cinema”, fazem com que sua intenção seja implodida, fazem o espectador clamar em silêncio por uma imagem verdadeiramente significativa, que se liberte do texto opressor. Ela vem, somente com Glauber Rocha. Mas é pouco.

2 comentários:

  1. Olá, Celo!
    Belo texto, ao menos parece, bem fundamentado.
    Sobre o filme, tenho um certo medo, paralelo ao que sinto pelos livros de Glauber.

    Abraçossss

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  2. É uma vertente do cinema que não me causa muito interesse... Embora pense que isso possa valer agora, mas não futuramente... De qualquer forma, fica a dica para uma sessão fora do convencional!

    Abraços Celo, parabéns pelo texto!

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