sábado, 24 de abril de 2010

O cinema, a sociedade e seus personagens

Você já assistiu algum filme finlandês? Se sua resposta for negativa, não se sinta culpado, até porque são filmes que não chegam facilmente ao Brasil, e a Finlândia não é bem um país referencial no quesito cinema. Mesmo assim, e baseado na qualidade dos filmes de lá a que tive a oportunidade de ver, não resisti em fazer um comentário sobre a forma como eles parecem refletir bem a sociedade onde estão inseridos. Cada filme, ao menos aqueles feitos com um pouco de esmero e talento, carregam um pouco da sociedade em que nasceram. Mesmo que seja um exemplar de perfil internacional, geralmente alguma coisa o caracteriza como sendo de uma localidade, algo o coloca em simbiose com a cultura que o gestou e o pariu. E assistir a filmes de diversos países pode nos trazer este conhecimento, mesmo que limitado pela visão do diretor e da equipe, sobre as culturas, os povos e as formas como se estruturam seus sistemas sociais.

Assisti, não há muito tempo, alguns filmes de Aki Kaurismäki, um dos mais célebres realizadores da Finlândia. Pois bem, os filmes de Kaurismäki são ótimos, urbanos e movidos pelos personagens, que são sempre pessoas simples, sem um aparente elemento de interesse destacado. São pessoas comuns, buscando coisas simples, procurando a felicidade em coisas banais que as farão, de fato, felizes. É a tal máxima de que a felicidade está nas pequenas coisas. O que chama atenção, são as reações destes personagens do diretor, aparentemente distanciadas, frias mesmo. É como se eles pouco se importassem com a desgraça, ou mesmo pouco comemorassem as alegrias. Meu irmão, o Rafa, até brinca que ver um filme de Kaurismäki é como “comer chocolate diet”. Preciso discordar dele neste sentido. Os personagens dos filmes e Kaurismäki são frios, pois a sociedade finlandesa é assim (deduzi pelo que li e por conta destes filmes), muito diferente da passionalidade que nos domina, dos rompantes e exteriorização de sentimentos que são próprios de nossa sociedade. Dentro deste contexto, e utilizando o expediente de analisar com afinco o sofrimento e os dilemas dos personagens, penso que não tendo estas reações catárticas que a maioria dos filmes nos mostram (porque a maioria das sociedades é assim) os finlandeses, aqui representados pelas personas de Kaurismäki, sofrem angustiados, represam suas emoções. A agonia de não demonstrar sentimentos, de passar quase que de forma plácida pelas adversidades e seus vilões cotidianos, fazem dos personagens de Kaurismäki uma lição, não somente do ponto de vista da diversidade cinematográfica, mas como representantes diegéticos da sociedade onde foram concebidos.

Não digo que todos tenham de gostar, entrar na onda, até porque, às vezes, o mistério de nosso envolvimento com um filme é, como eu mesmo nominei, um mistério, que transcende as teorias ou nossa racionalização. Do outro lado, fica a dica de reflexão, para que não fiquemos alheios ao resto do mundo, bitolados a apenas o que nos é próximo, familiar. Os personagens de Aki Kaurismäki não são como eu e, provavelmente, não como você, mas são o recheio ideal para que entendamos uma sociedade tão diferente da nossa, com valores, crenças, anseios e dificuldades tão distintos mas que, de alguma forma, podem encontrar eco em nossos próprios problemas, ou em nossas pequenas felicidades.

2 comentários:

  1. Vi apenas a "A menina da fábrica de fósforos" do diretor, e me lembro realmente da estranheza e interesse que me tomaram justamente no que dizia respeito a mencionada frieza presente nos personagens... Se isso é uma característica do diretor ou do próprio país, não sei dizer, mas devo ver mais produções de mesma origem, já que a primeira experiência me interessou, e muito.

    Tal possibilidade de conhecer outras culturas, povos e costumes através do cinema é gratificante e enriquecedor. A onda de filmes romenos, por exemplo, fazem justamente isso e de forma extremamente agradável. Como é bom fugir do óbvio e se limitar a cinematografias americanas, não?

    Abraços Celo!!

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  2. Olá, Celo!
    Belo texto, gosto de como você se galga na questão "cinemas (arte) refletindo uma sociedade ou, ao menos, um momento histórico seu". Sei lá, é questão de embarcar e seguir viagem. De qualquer maneira, continuo a sustentar minha tese do chocolate diet.

    Abraçosss

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