Sobre o cinema de Kathryn
Bigelow, troco fácil seus dois últimos e alardeados filmes – Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura – por CAÇADORES DE EMOÇÃO, de 1991. Nele, uma
gangue fantasiada de ex-presidentes americanos toca o terror nos bancos de Los
Angeles até que um policial novato resolve seguir o palpite improvável de seu
parceiro: todos seriam surfistas querendo curtir veraneio eterno. A relação
estabelecida entre o homem da lei disfarçado (Keanu Reaves) e o assaltante
(Patrick Swayze), algo entre a admiração e a necessidade mútua de anulação, é o
principal tempero desse molho repleto de energia e ótimas sequências.
GOODBYE SOLO é o menos pungente dos
filmes de Ramin Bahrani, o que não significa demérito algum, tendo em vista uma
obra ainda pequena, porém feita de humanismo e muito talento. A metáfora está
lá, para quem quiser ver, pois o único personagem profundamente americano do longa
quer se suicidar e encontra amizade e carinho num sorridente imigrante
senegalês. O filme de Bahrani destaca-se
pela sobriedade, é construído muito nas expressões dos personagens, como bem
apontou uma das minhas companheiras de sessão. Imagem e fala são complementares
na criação de múltiplas significâncias, algo raro não apenas no cinema
americano de hoje em dia.
Claro que o roteiro de EM TRANSE
é calcado em trapaças constantes. Há muitas guinadas desviando nossa atenção
dos verdadeiros fatos, e embaralhar realidade com memórias ora verdadeiras ora
falsas ajuda bastante essas curvas abruptas. Mas também é fácil notar que de
tanto ir e vir o filme poderia ter caído num lamaçal de chatice não fosse a
habilidade de Danny Boyle que urde tudo com dinamismo imagético e sonoridade
esperta. Filme bom para ver no cinema, com tela grande e som potente. E, cá entre nós, na contemporaneidade pudica,
filmar uma genitália feminina depilada como Boyle faz em EM TRANSE é sinal não
apenas de liberdade, mas de coragem.
Ricardo Darín está impagável em
UM CONTO CHINÊS, outro daqueles filmes que nos mostra a força do cinema
argentino, convenhamos, o melhor da América do Sul há um bom tempo. A barreira
linguística não impede os protagonistas de criarem laços benéficos a ambos. O
chinês ganha teto e um amigo; já o argentino, mesmo obrigado, se abre à
convivência para respirar outros ares que não os viciados por suas pequenas
rotinas e obsessões. Absurda é a vida, mais que a ficção. Como seres tão díspares podem encontrar apoio
um no outro? Ora, na mesma medida em que uma vaca caiu do céu ou aquele amor
improvável bate à nossa porta.
DEPOIS DE MAIO. Tá aí um filme de
rara inteligência sobre o pós-maio de 1968. Os jovens continuam nas ruas,
pichando, fazendo protestos em prol da revolução, contudo “o sistema” tolhe
deles isso aos poucos. Só se pode revolucionar na juventude, parece constatar
Olivier Assayas com certo amargor, pois os anos passam e as responsabilidades
da vida adulta nos tornam meio conformados. A reconstrução de época é
impressionante, estamos frente a outra era, antes tão viva só em livros de
história e imagens de arquivo. Como de costume, Assayas lança luz sobre a
desilusão, o papel e a relevância da arte, num filme sobre garotos e garotas
querendo mudar o mundo. E quem nunca quis? Por que perdemos isso?
Só filme bom!!E seus comentários breves porém pertinentes só fazem com que possamos valorizar esses filmes!! Alguns esquecidos e ótimos!!
ResponderExcluirOi, Carol
ResponderExcluirÉ, tem muita coisa que merece ser (re)descoberta, dentro e fora do circuito. Basta que tenhamos tempo e um pouco de disposição para garimpar algumas joias dessas, vez ou outra.
Obrigado
beijos
Esses textos são excelentes. Rápidos, agradáveis, além de configurarem ótimas dicas.
ResponderExcluirGrande abraço.